Consequências da fome e as promessas governamentais
A fome, além de causar impactos sociais interligados com a situação de pobreza, traz consequências biológicas e psicológicas. A ausência de nutrientes oriundos dos alimentos necessários para manter a segurança alimentar pode acarretar várias doenças, tais como anemia e ‘Hipovitaminose A’. De acordo com coordenadora de segurança alimentar e nutrição da Secretaria de Saúde de Pernambuco, Rijane Barros, as crianças são as que mais sofrem doenças por causa da irregularidade de alimentos. Nesse contexto, um breve levantamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário diz que, em 167 municípios brasileiros, cerca de 10% das crianças apresentam déficit de peso, em que desse percentual, a grande maioria está no Norte e Nordeste do Brasil: 40% e 31% dos casos, respectivamente.
“A criança em idade escolar sofre bastante. Até os dois anos de idade, ela constrói tudo o que será no futuro. Se ela tiver uma boa alimentação, será uma criança mais saudável e terá um melhor aproveitamento escolar. As principais doenças são a desnutrição, anemia, ‘Hipovitaminose A’ e o que a gente chama de fome oculta, que são pessoas que usam alimentos de baixo custo e deixam de lado comidas integrais, como macaxeira, cuscuz, inhame, feijão e arroz. Quando não há uma alimentação correta, as crianças perdem o potencial de ter uma boa saúde quando adultas”, explica a coordenadora. No vídeo a seguir, Rijane dá mais detalhes das doenças em decorrência da insegurança alimentar, além de apresentar alimentos essenciais para a saúde das pessoas:
De acordo com a representante do Conselho Federal de Nutrição em Pernambuco, Leopoldina Sequeira, a insegurança alimentar é uma questão multidimensional. “A falta de alimento ou problemas de distribuição e acesso a alimentos de qualidade têm afetado quantidade significativa de pessoas, em países economicamente emergentes, o que traz como consequência a fome crônica e generalizada, caracterizada por um quadro de desnutrição, baixo peso e exclusão social”, explica. “Esse quadro, tão avassalador e persistente, se traduz em deficiências nutritivas”, complementa Leopoldina.
A representante do Conselho Federal de Nutrição também explana que alguns alimentos são essenciais para manter a saúde da população. Segundo Leopoldina, alimentos in natura ou minimamente processados, em grande variedade e de origem vegetal, devem ser a base da alimentação do brasileiro. “Alimentos in natura são aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza. Alimentos minimamente processados são produtos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Nesse grupo incluem grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado”, detalha a especialista. A Organização Mundial de Saúde recomenda um consumo de, no mínimo, 400 gramas de frutas e hortaliças por dia, que podem impedir doenças crônicas.
Os impactos da falta de comida também atingem o psicológico das vítimas. A afirmação é da psicóloga e mestre em extensão rural Maria Augusta Amaral. Ela é diretora do Centro Josué de Castro e realizou vários trabalhos de pesquisa com catadores de materiais recicláveis do Recife e Região Metropolitana, além do interior do Pernambuco, que viveram a realidade da insegurança alimentar. De acordo com a mestre, questões sociais como falta de educação escolar e, consequentemente, o desemprego são fatores que influenciam na ausência de recursos financeiros que impedem a alimentação regular de muitas pessoas. Assista no vídeo a seguir a explicação da psicóloga:
Antes a fome,hoje a obesidade
“Até o momento podemos concluir que as entrevistas realizadas com as mulheres apontam que elas compreendem sua obesidade como expressão dos momentos da vida difícil, tanto por fatores sociais, econômicos e culturais relacionados à pobreza. Observa-se que os papéis domésticos, maternos e conjugais são associados à luta pela sobrevivência em situações das quais os relatos sobre fome e miséria são referidos”, comenta a pesquisadora Denise Silva.
De acordo com o estudo, foram entrevistadas mulheres pobres, sendo a maioria de empregadas domésticas, faxineiras e donas de casa, migrantes de áreas rurais e destacadamente do semiárido nordestino. Hoje, boa parte reside em bairros pobres de capitais brasileiras, são chefes de família, com origem afrodescendente, além de serem beneficiadas de programas sociais. “Nas análises estatísticas observa-se a baixa estatura destas mulheres, com inúmeros casos de altura em torno de 1,40 m. Estes resultados têm sido discutidos com alguns pesquisadores brasileiros, especialmente da equipe do professor Malaquias Batista Filho, como expressão de 'resíduo de nanismo nutricional' relacionado à carência alimentar (fome) de pessoas na região do semiárido. Neste momento, as equipes da Fiocruz-Brasília, junto a do Instituto Materno Infantil de Pernambuco e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), discutem futuras parcerias para compreender esta situação”, relata Denise.
Migrante do Sertão de Pernambuco, Maria das Dores (nome fictício) passou a viver em Brasília depois de passar necessidades com a família. Uma das mulheres pesquisadas no estudo da Fiocruz, ela revela que, junto com os familiares, chegou a passar dois meses apenas comendo mingau de milho. Seus pais não reuniam condições financeiras e faltavam roupas e sapatos para Maria e seus irmãos. Na capital brasileira, foi viver em uma favela, onde se relacionou com um rapaz e engravidou posteriormente. Segundo o estudo da Fiocruz, a sertaneja acredita que é obesa por problemas da vida. “Eu sei que sou gordinha, tenho vários problemas, a doutora do posto já me mostrou tudo. Acho que tudo aconteceu pela vida que eu levei, de muito trabalho, sem tempo para nada, comendo o que podia comprar. Não gosto de lembrar deste momento da fome”, conta Maria, conforme descrição da pesquisa.
Promessas governamentais
Acabar, de maneira total, com os índices de fome no Brasil, ainda é um objetivo quase que irreal. Estudiosos e autoridades da segurança alimentar admitem que essa seja uma meta, pelo menos até o momento, muito difícil de ser atingida. Mas, ao menos a redução dos níveis de insegurança alimentar, a exemplo do próprio Brasil, é claramente possível quando os governantes se envolvem e colocam em prática políticas públicas oriundas de investimentos financeiros. De acordo com o secretário Caio Rocha, da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, o Brasil é referência no combate à falta de alimentos, mas não se pode deixar de lado os cerca de 7 milhões de brasileiros que enfrentam o nível mais grave da ausência de comida.
Segundo Rocha, o atual Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PlanSAN), idealizado pelo Governo Federal, é uma das principais iniciativas de combate à insegurança alimentar no país. Em entrevista ao LeiaJá, o secretário adiantou que, durante o período de vigência do Plano, de 2016 a 2019, R$ 98 bilhões serão investidos em ações que possam ajudar o brasileiro a colocar na mesa o pão de cada dia.
“O PlanSAN é o principal instrumento de planejamento, gestão e execução das ações de segurança alimentar e nutricional do governo para os próximos anos. O Plano teve como base a Carta Política da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em novembro de 2015, pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O PlanSan é composto por 121 metas e 99 ações relacionadas, estruturadas a partir de nove grandes desafios para o período de 2016 a 2019”, consta no site oficial do Governo Federal. Algumas das ações que poderão receber partes deste investimento de R$ 98 bilhões são a agricultura familiar e programas sociais, a exemplo do Bolsa Família.
Questionado por qual motivo ainda existem pessoas que enfrentam a insegurança alimentar no Brasil, o secretário Caio Rocha argumentou que há alguns fatores vivenciados em solo nacional que ainda fazem vítimas. “O Brasil é um país continental, com diferenças regionais. Temos problemas de logísticas, dificuldades de acesso à água. Nós também temos doenças tropicais. Tudo isso faz com que as pessoas tenham uma renda menor e consequentemente acabem passando por insegurança alimentar”, declara Rocha. Porém, o secretário estima que em dez anos o Brasil tenha novas quedas dos índices de comunidades prejudicadas pela falta de comida.
“Precisamos de um trabalho junto com a sociedade civil, mas estamos em um caminho de correção. O principal desafio para superar a vulnerabilidade alimentar é a construção de políticas públicas interligadas, em que uma ajuda a outra conforme a sua área de conhecimento. Nosso sonho é que a gente não precise mais de ajudas como o Bolsa Família, e que um dia o povo tenham renda para um alimentação saudável”, destaca o secretário.
Levando em consideração o cenário local, Pernambuco, entre os estados nordestinos, apresentou os melhores resultados no combate à insegurança alimentar, segundo a PNAD. De acordo com o estudo, quase 75% da população pernambucana vive em completa segurança alimentar, enquanto que em torno de 8% ainda enfrenta a falta de comida nos níveis moderado ou grave. Descrevendo a experiência do Estado, a superintendente Estadual das Ações de Segurança Alimentar e Nutricional (Suasan), Mariana Suassuna, explica como o governo pernambucano está trabalhando no combate à falta de comida.