Pelos corredores das principais feiras do Agreste, em boxes, nas mãos das sacoleiras, e em alguns pontos comerciais, ainda é possível encontrar produtos semelhantes aos revendidos em outros países por marcas famosas e renomadas. Em grande parte, são produtos com a qualidade mais baixa, com preço mais em conta e nas estampas as marcas são copiadas. As peças são variadas, mas a maioria das cópias e imitações é de roupas como Calvin Klein, Rimmel Londres, Gucci, Dolce & Gabbana, e Chanel. Por outro lado, tem crescido o quantitativo de empresas que investem em marcas com identidade própria sem deixar de lado as tendências do que é lançado na moda mundial.
O crescimento do mercado de moda em Pernambuco, mais precisamente no Agreste, vem sendo liderado pelas cidades de Caruaru, Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, formando assim o triângulo têxtil do Estado. Quem vai ao Polo de Confecções em busca apenas de roupas estabelecidas como de “sulanca” pode ter uma surpresa ao chegar no local. O termo tem origem mais depreciativa do produto, que no início era visto como mal feito e de sucata. As roupas eram fabricadas com retalhos e pedaços de tecidos mal acabados e revendidas a um preço muito baixo. Sulanca, atualmente, ainda é sinônimo de feira mais popular, mas no caso das cidades do Agreste, a confecção de mais qualidade ganhou espaço no mercado da moda brasileiro e hoje é referência.
Historicamente, a moda passa a ser compreendida como vestuário a partir do século 19, principalmente por causa do fortalecimento da indústria correspondente e do crescimento do capitalismo e da cultura do consumo. De acordo com a pesquisadora Lucinea de Lima Freire, o conceito de moda agora está inserido em um contexto social, no qual as pessoas buscam aceitação e adaptação perante a sociedade.
“A ideia de imitação embutida no ser humano, que antes imitava os modos, os hábitos, e as roupas do núcleo familiar, hoje ganhou uma nova dinâmica social formadora dos grandes centros urbanos ocidentais modernos, onde se passa a imitar o comportamento e o modo de vestir de pessoas desconhecidas, observadas nas ruas da cidade”, destaca a estudiosa.
A analista de mercado Juliana Nunes alerta que é preciso investimento no ramo da criação para que os negócios voltem a crescer
De acordo com analista de mercado do Núcleo Gestor da Cadeia Têxtil e de Confecções em Pernambuco (NTCPE), Juliana Nunes, um problema que torna difícil a inovação dos modelos das confecções é a falta de profissionais de inovação, principalmente designers. “A maioria das pessoas de Toritama, por exemplo, quer empreender nos negócios e isso torna difícil ter pessoas na cidade qualificada para alguns cargos de outras áreas. Faltam designers e pessoas na área administrativa já que o mercado da moda está em constante mudança. Mas, os empresários aqui se concentram muito na parte da gestão da empresa e acabam deixando acontecer um entrave no processo produtivo no geral”, lamenta.
Apesar da resistência de comerciantes e empresários, o NTCPE investe em cursos, palestras, viagens nacionais e internacionais, além de visitas técnicas. “Fazemos tudo isso com a intenção de oferecer para o empresariado daqui qualificação profissional e promover o desejo de trazer uma melhoria para suas empresas. Mas, quando chega algo novo, muitas vezes o empreendedor não quer porque ele já está tendo um resultado bom há tanto tempo. Então, a gente busca dar exemplos de grande empresas, em São Paulo, no Sul do país, em Portugal. Essas pessoas passam a ver a realidade com outros olhos e enxergam que precisam melhorar muito se quiserem atingir um patamar dessas confecções mundiais”, alerta Juliana.
Para ela, a cópia tem reduzido bastante no Polo de Confecções. “Percebemos que muitos empresários buscam isso porque elas precisam sair na frente para manter o padrão de vendas e reconhecimento do produto de qualidade”, informa a analista de mercado.
Para continuar crescendo no segmento da moda, empresários do Agreste devem investir no DNA pernambucano
Na fotografia, do lado esquerdo está Fred Maia e ao lado direito Marcelo Villin Prado
Na visão de Marcelo Villin Prado, diretor do IEMI – Inteligência de Mercado, a busca pela identidade nordestina nas roupas e a utilização das grandes marcas mundiais como inspiração seria o caminho do futuro. “Isso teria um poder de irradiação para todo o Polo muito interessante. Usar o DNA da moda pernambucana, desde que seja bem trabalhado, para criar um investimento estrutural. É preciso identidade e não moda igual a de São Paulo só que mais barata, ou moda americana mais barata. Não é a pura cópia que vai que vai agregar valor ou sustentar o desenvolvimento desse negócio”, aponta o estudioso.
Presidente do NTCPE, Fred Maia divide a história do Polo de Confecções do Agreste em três gerações. A primeira é o início do processo produtivo em busca da sobrevivência e na costura mais rudimentar dos retalhos, já a segunda geração e atual é a que herdou as técnicas de trabalho e de empreendimento familiar que deram certo e ainda dão lucro. Ele acredita que talvez na terceira geração os procedimentos serão mais modernos e a mentalidade dos empreendedores deve mudar para garantir o sustento no futuro, distante das cópias e investindo na moda pernambucana com identidade.
“Estamos começando a formar as primeiras turmas de design de moda em Pernambuco porque é um curso recente no Estado. Mas, ainda existe um descasamento porque não é algo fácil e simples impor que os empresários precisam investir em profissionais da inovação. A gente não pode chegar para uma empresa e dizer para ele parar de fazer o que está dando dinheiro para mudar a estrutura pensando no futuro e no valor simbólico da atitude. Agora não há esse mercado que busca identidade e produtos diferenciados na região, mas é uma tendência e por isso que o processo é lento”, explica Fred.
As empresárias Jéssica Souza e Aurijanne Arruda prestam serviços de design de moda para empresas de confecções, principalmente no Agreste pernambucano
Avaliando a situação atual da moda no Agreste e de olho no futuro, as designers Aurijanne Arruda, e Jéssica Souza, 24, criaram a empresa Line Ateliê Criativo em 2016 com a intenção de ajudar as empresas de moda da região a desenvolver coleções próprias com identidades visuais elaboradas em conjunto. O empreendimento funciona no Armazém da Criatividade – unidade avançada do Porto Digital -, em Caruaru.
Na época, ainda estudantes de design de moda, elas começaram a observar como funcionava o setor criativo das empresas no ramo da moda no Agreste. Em algumas visitas aos principais empreendimentos da região, perceberam que eram poucos negócios que tinham um designer para executar as tarefas do setor criativo.
“No início, quando a gente pensou em montar a nossa empresa, era muito difícil. A região ainda tem muita dificuldade em aderir ao profissional da criação. O que a gente está tentando fazer é quebrar um ciclo, a cultura das pessoas do Polo, que nunca tiveram o hábito de contratar esses profissionais para inovar na coleção de moda, por exemplo. Mas, a parte boa é que cada vez mais conseguimos quebrar essa barreira e adentrar no mercado, pouco a pouco”, salienta a empresária Jéssica Souza.
No Agreste, a dinâmica econômica da região é marcada pela comercialização em grandes feiras de confecção que envolve produtores e vendedores sulanqueiros. De acordo com Aurijanne Arruda, um dos pontos que impulsionaram a criação da Line foi a quantidade de pirataria nas confecções. “Queríamos combater isso, mas ao adentrar no mercado e implementar novas práticas, percebemos que essa ideia de quebrar esse ciclo tem que ser progressista. Não há uma forma fácil de fazer isso. É um problema nuclear e nada superficial”, avalia empresária.
Ela acredita que o grande desafio para o Polo se tornar o maior do Brasil é superar a falta de investimento nos profissionais da criação. “Eu vejo que se isso não for percebido, a tendência é a região estagnar e até decair. A gente sabe que o público está a cada dia mais mais exigente. Ele quer exclusividade, qualidade e tendência. Se ele está procurando isso, certamente vai em busca de quem pode atender a essas necessidades. O Nordeste tem muito potencial para desenvolvimento e há bastante profissionais qualificados, só precisando de oportunidade para mostrar que os empresários precisam deles”, diz Aurijanne.
De acordo com Ionara Harajuku, a coleção África foi inspirada em uma visão ampla e consciente de mundo que para se fazer moda e vestir pessoas é preciso pensar antes nas pessoa
Apesar do Brasil ainda se recuperar de uma crise e de ainda ter problemas de estrutura na região, as expectativas para a indústria têxtil e de confecções são animadoras na visão da estilista Ionara Harajuku, responsável pela Multmalhas, uma das principais lojas de tecidos de Santa Cruz do Capibaribe.
Para ela, a mudança do status da região como apenas roupa de sulanca para se tornar referência nacional de moda deu grandes passos, mas ainda é um processo que não pode parar. Em 2018, a Multmalhas apresentou na passarela do Estilo Moda Pernambuco um desfile inspirado na África Natural com peças e uma mensagem social de solidariedade. A ideia da marca era reverter todas as vendas para ajudar uma instituição filantrópica em Bié, uma província de Angola, onde o trabalho é direcionado a alimentação, assistência de saúde, escolaridade a crianças em situação de pobreza.
Além do trabalho social, Ionara aposta na no serviço diferenciado para um futuro promissor no Agreste. "Foram anos de aperfeiçoamento profissional, investimento em inovação, capacitações e criatividade. As pessoas aqui passaram a priorizar o bom atendimento ao cliente. Em nossa loja, por exemplo, temos um serviço de qualidade. Indicamos o tecido e também damos referência do modelo para que ele se sinta importante e tenha mais informação sobre o que está comprando", ressalta a profissional.