Sustentabilidade, um sério desafio para os empreendedores da moda

Polo ainda sofre impactos ambientais, como o descarte inapropriado de efluentes. Para mudar esse cenário, empresários e poder público deram início a ações sustentáveis

Por Nathan Santos Fotografia: Chico Peixoto

Se por um lado o ritmo de produção das fábricas do Polo de Confecções do Agreste é intenso e lucrativo, por outro a questão da sustentabilidade não está em seu panorama ideal. Ainda existem sérios impactos contra a natureza no processo de fabricação de algumas empresas, a exemplo das substâncias oriundas de tintura que são despejadas no Rio Capibaribe, em Toritama.

“Quando entrei aqui, o pessoal brincava que o rio muda de cor, porque depende da coloração da moda”, recorda o promotor de justiça do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Vinícius Costa e Silva, atuante em Toritama desde 2017. O despejo inapropriado no Rio Capibaribe de tintas e outros objetos descartados por lavanderias de jeans clandestinas é um dos problemas apontados pelo promotor. Um descaso comum em uma região que por muito tempo não teve normas legais em prol do meio ambiente. Por causa desse cenário, Costa também critica a demora para a sanção de uma lei municipal que pudesse regulamentar a atuação das lavanderias, além de apontar costumes dos empreendedores da região que não condizem com ações sustentáveis.

Segundo o químico Saulo Oliveira, Rio Capibaribe sofre com o descarte inapropriado de efluentes. LeiaJáImagens Segundo o químico Saulo Oliveira, Rio Capibaribe sofre com o descarte inapropriado de efluentes. LeiaJá Imagens

“São vários grandes desafios. Boto como o principal a ideia cultural de que a sustentabilidade é supérflua e que o cuidado com o meio ambiente é dispensável ou pode não ser lucrativo. Essa é a visão do próprio empreendedor de que se ele cuidar do meio ambiente, isso vai prejudicá-lo de alguma maneira. Toritama e Santa Cruz do Capibaribe talvez sejam os que mais produzem em Pernambuco. A indústria é bastante pesada aqui. Há lavanderias, passadores de ferro, passadores de linha, colocadores de zíper...”, analisa o promotor.

Vinícius acrescenta: “Principalmente das lavanderias inadequadas, existe uma carga muito pesada sobre o Rio Capibaribe. Já quando digo ausência de Estado, é porque antes de 2018 nunca existiu uma lei municipal para regularização das lavanderias. Se o Ministério Público é orientado pelas leis e não existia uma lei municipal, isso dificulta muito. Era necessário que o Estado tivesse uma visão mais cuidadosa acerca da necessidade de ser sustentável”.

De acordo com o promotor, existem mais de 60 lavanderias regulamentadas em Toritama, no entanto, ele confessa que há outros inúmeros estabelecimentos irregulares. Para ser considerada regular e apta à atuação, uma lavanderia precisa respeitar vários protocolos: existência de contratos sociais; documentos pessoais dos proprietários; carta de anuência da vigilância sanitária; controle de dedetização; licença operacional ambiental pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH); certificado de regularidade do Corpo de Bombeiros; laudo de inspeção da caldeira; descarte de lodo em aterro sanitário; cadastro no Ibama; e declaração de manuseio de produtos perigosos pela Polícia Federal, entre outras exigências.

O químico Saulo Oliveira descreve, no áudio a seguir, os impactos ambientes oriundos das confecções clandestinas e de que maneira eles prejudicam o ambiente e a população:

Em dezembro de 2018, a Prefeitura de Toritama, após anos de descaso na questão ambiental, sancionou uma lei municipal que visa a regulamentação das lavanderias da cidade por meio de condutas sustentáveis. O prefeito Edilson Tavares reconhece os impactos ambientais oriundos das produções da terra do jeans, mas também vislumbra uma postura sustentável por parte dos empresários da região a partir da implementação da lei municipal. “A cidade hoje se destaca na produção de peças confeccionadas em jeans, que exigem lavagem, um processo industrial que faz com que o tecido se transforme em um produto de melhor aparência, mais moderno e mais agradável. Em contrapartida há uma questão ambiental, porque essas lavanderias clandestinas, ao sacarem os produtos na natureza, acabam contribuindo com a poluição ambiental. Hoje a Prefeitura e os donos das lavanderias se sentam na mesma mesa pedindo a regularização. Vamos ter uma postura proativa em relação ao meio ambiente”, diz o prefeito de Toritama.

Edilson Tavares argumenta que apesar da existência de leis ambientais nos âmbitos federal e estadual, o monitoramento dos pequenos negócios em Toritama era de difícil acesso para os órgãos de controle, pelo fato de não conseguirem estar todos os dias nessas pequenas empresas realizando fiscalizações. Há também o sério problema das lavanderias clandestinas, instaladas muitas vezes no fundo de casas que, aparentemente, ocultam as atividades insustentáveis. “No caso de Toritama, os pequenos negócios são o que temos de mais importante. Por isso, criamos uma comissão de monitoramento que podemos garantir visitas diárias. Nossa meta é que tenhamos 20 lavanderias visitadas por semana; poderemos garantir que as ações necessárias e obrigatórias para o funcionamento das lavanderias sejam respeitadas”, promete o prefeito.

Desde novembro, as lavanderias de Toritama têm um prazo de 90 dias para realizarem adaptações que possam respeitar a lei municipal e garantir seu funcionamento. Possuir a licença da CPRH e ter autorizações da Polícia Federal, do Ibama e da Vigilância Sanitária são algumas das exigências.

Já em Caruaru, segundo a promotora de justiça do MPPE Gilka Miranda, houve uma séria e positiva mudança na atuação das lavanderias. Em praticamente todos os estabelecimentos acompanhados pelo Ministério Público de Pernambuco, há tecnologia de tratamento de efluentes e de reaproveitamento da água utilizada na lavagem do jeans. “Existiam lavanderias que não tinham nenhum tipo de tratamento de efluentes. São empreendimentos muito impactantes, lidam com a lavagem do jeans que exige uma quantidade de água muito grande e depois uma série de produtos químicos que são lançados no ambiente sem tratamento. Hoje, todos os empreendimentos têm tratamento de efluentes. A gente fechou muitos e os que continuaram têm tratamento. Eles também fazem o reaproveitamento da água. Hoje temos em torno de 60 lavanderias. Eles percebem que é positivo fazer o reaproveitamento da água”, comenta Gilka.

De acordo com o estudo “As lavanderias de jeans de Toritama – Uma contribuição para a gestão das águas”, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), 800 mil peças de jeans são produzidas mensalmente; para cada uma, são gastos de dez a 40 litros de água. Essa conta assusta: por mês, o processo de lavagem das confecções consome 32 milhões de litros de água, diz a pesquisa. Diretor de Controle de Fontes Poluidoras da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), Hellder Hallender Cruz garante que o órgão realiza fiscalizações frequentes nas cidades que integram o Polo de Confecções. Hallender argumenta, no entanto, que é difícil acompanhar e investigar estabelecimentos clandestinos, a maioria lavanderias. “Há vários anos a gente faz fiscalizações. Em Caruaru e Toritama sempre fizemos vistorias, já que são cidades que têm muitas lavanderias. Se for um estabelecimento sem licença ambiental, a gente já autua com o fechamento da empresa até ela se regularizar”, garante o diretor da CPRH.

No áudio a seguir, Hellder explica por que as lavanderias inadequadas representam o principal problema de sustentabilidade da esfera econômica do Polo de Confecções do Agreste:

Por fim, o diretor da CPRH descreve o que é indispensável para o funcionamento de lavanderias sem maltrato ao meio ambiente. “As lavanderias precisam da água porque é a matéria prima. Quando elas lavam o jeans, essa água sai suja e o efluente industrial precisa ser enviado para uma estação de tratamento; com produtos químicos você faz a limpeza da água para que seja lançada novamente no rio dentro dos parâmetros legais”, diz. O LeiaJá solicitou à CPRH um balanço com o número de fiscalizações realizadas no Polo de Confecções de Pernambuco em 2018, porém, até o fechamento desta reportagem, não tivemos retorno.

Há caminhos sustentáveis

É possível fazer moda e zelar pela terra. A indústria agressiva, o lucro e os costumes arcaicos não podem ser protagonistas em um momento econômico em que a sustentabilidade é sim, sem rodeios, fundamental para a sobrevivência do meio ambiente e até mesmo das empresas; afinal, o cliente curte consumir produtos de empreendimentos ecologicamente corretos. Compartilhando desse pensamento, o coordenador do curso de design de moda da Faculdade do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), unidade Caruaru, Luiz Clério Duarte, acredita em caminhos sustentáveis que podem ser percorridos paralelamente pelos anseios capitalistas e práticas que respeitam o meio ambiente.

“Existem várias formas da indústria de vestuário cultivar a prática da sustentabilidade, desde modelos de gestão a questões mais físicas como reuso de resíduos e desenvolvimento de práticas coletivas como diminuição do consumo de energia, utilização inteligente e responsável da água ou até coleta seletiva de lixo. Todas essas questões estão muito ligadas à uma prática cultural, é sistêmica, não acredito numa implantação de ações sustentáveis sem a orientação e planejamento dessas práticas implantadas na cultura da indústria”, argumenta o coordenador.

Duarte reforça o valor agregado às marcas que compartilham em sua rotina ações de sustentabilidade. "Com o desenvolvimento dessa nova cultura, se estabelecida no conceito da marca, ela pode fazer parte de um grupo de marcas modernas, antenadas com um futuro promissor, ligadas à longevidade e práticas sociais responsáveis, o que claramente seduz o público cada vez maior de pessoas que valorizam esse bem intangível e assim a marca trabalha seu conceito de branding de forma eficiente", aponta.

Para o especialista, os impactos da moda no meio ambiente são nacionais. Mas, ao analisar o Polo de Confecções do Agrestre, Luiz Clério define atitudes, públicas e do próprio empresariado, que podem contribuir para a mudança do quadro poluidor. “Localmente falando, precisamos de uma política social, fiscal, econômica que favoreça e incentive a prática dessa cultura, para que assim se torne realidade na indústria e na vida civil das pessoas que compõem essa indústria. Na relação com o produto, nosso maior problema é ainda o amadorismo praticado dentro dessa indústria, estamos em um Polo que nasceu de geração espontânea, e está em processo de profissionalização. Ainda existe um longo caminho a percorrermos. Precisamos de uma ação orquestrada de dentro para fora desse sistema industrial para que o conceito e a prática da sustentabilidade deixem de ser exceção para virar regra”, comenta.

Segundo o pesquisador e autor do livro ‘Filhos da feira’, que aborda retratos sociais e econômicos das famílias envolvidas nas confecções do Agreste, Márcio Sá, o destrato com o meio ambiente passa também por uma educação deficiente. De acordo com o estudioso, não é uma educação de cunho escolar, mas sim uma formação social que deixa a desejar quando o tema é a sustentabilidade. “O ponto de partida para pensar essas questões ambientais é pensar em educação. Estou falando de educação no sentido de entendimento de vida, de partilhar vida no espaço. E isso é algo realmente delicado na região. Há uma herança do comércio de feira de rua, fazendo com que o olhar se vire ao negócio a curto prazo, porque a feira acontece em uma semana. O ciclo produtivo é feito em uma semana. Então fica difícil de imaginar uma mentalidade coletiva, as questões de educação demandam esforços no presente e no futuro. Quando você foca apenas nos negócios, não há um horizonte além do ganhar dinheiro, fica difícil promover iniciativas de sustentabilidade nas suas mais diversas dimensões”, analisa o pesquisador.

O estudioso também aponta em seu discurso o descaso do Estado ao longo dos anos na medida em que crescia o polo. “Esse tipo de preocupação – ambiental - é muito recente no horizonte local e propriamente na atuação do Estado. Quando não se tinha essa preocupação, os efluentes passaram muito anos sendo depositados no rio. E assim fica muito difícil da vida resistir, a fauna e a flora não têm condições de resistirem. O Estado vem se mostrando com limitações para cumprir seu papel de fiscalizações na região. Por um lado, ele incentiva com a duplicação de vias e construção de um calçadão no Moda Center, por exemplo, por outro lado deixou correr solto [o polo], até crescer para fiscalizar depois, porque deixou isso acontecer solto por décadas”, opina Márcio Sá.

Referência econômica e de sustentabilidade

Apontado como o grande exemplo de ascensão econômica e empreendedorismo da região, o empresário Arnaldo Xavier, criador da Rota do Mar, também é referência no quesito sustentabilidade. A empresa, apontada por muitos trabalhadores do setor como a maior do Polo de Confecções do Agreste, investe em recursos sustentáveis na intenção de preservar sua relação com o meio ambiente e de inspirar outros empreendedores do segmento a caminharem com o mesmo ideal.

Em outubro de 2018, a empresa implantou em sua fábrica, situada em Santa Cruz do Capibaribe, 240 painéis de energia fotovoltaica – responsável por gerar energia solar - em 76,38 kW. De acordo com a Rota do Mar, as peças serão responsáveis por todo o abastecimento elétrico de um espaço direcionado a lazer e práticas esportivas dos funcionários e clientes. O investimento foi de R$ 400 mil.

Rota do Mar conta com 240 painéis de energia fotovoltaica – <strong>Chico Peixoto</strong>/LeiaJáImagens Rota do Mar conta com 240 painéis de energia fotovoltaica – Chico Peixoto/LeiaJá Imagens

Em um rápido cálculo, a empresa estima que o consumo atual de energia do clube é de 10 mil KW h. A previsão é que em 25 anos de operação, o sistema poderá evitar a emissão de 1.491.594 kg de CO2 equivalente a um carro ter rodado 842.709 Km. A economia ainda poderá corresponder ao plantio de 2.740 árvores.

“A sustentabilidade não agrega só valor à marca, há o valor real também. Para o ambiente é incalculável. Se a gente mostra às pessoas que isso é importante para o futuro e como a gente é seguido, eles (outros empresários) começam fazer esses gestos. Nossa empresa está aberta para que eles possam vir e conhecer como fizemos tudo isso. Temos um retorno financeiro e de impacto para a natureza. A gente já paga à própria companhia de energia; se eu pago R$ 7 mil de energia elétrica à companhia, vou pagar R$ 7 mil ao banco e depois de cinco anos essa energia será totalmente grátis. Não vou pagar mais ao banco e nem à companhia. Ficarei livre dos dois”, analisa o empresário Arnaldo Xavier.

Além dessa e de outras ações de cunho sustentável, a empresa adotou, desde o início de 2018, uma estação de reuso de água. Por meio de um investimento de R$ 150 mil, foi possível a instalação da aparelhagem que permite a reutilização da água que serve para a estamparia das camisas. A Rota do Mar produz cerca de 150 mil peças de roupas por mês.

Setor de estamparia passou a economizar água após implantação de ação sustentável – <strong>Chico Peixoto</strong>/LeiaJáImagens Setor de estamparia passou a economizar água após implantação de ação sustentável – Chico Peixoto/LeiaJá Imagens

A estimativa da empresa é que a estação reaproveita 4 mil litros dos 5 mil necessários para o processo de estamparia. No vídeo a seguir, Arnaldo Xavier mostra como o reaproveitamento acontece na prática:

Sustentabilidade para além do meio ambiente

Diego Viana, criador da marca John Cunningham, também sediada em Santa Cruz do Capibaribe, aposta em ações sustentáveis que possam ir além do respeito ao meio ambiente. A empresa foi criada em 2013 e implantou sua primeira loja física em 2017. Nesse período de atuação, o Diego e seu sócio Ricardo Moraes investiram em atividades sociais que buscam beneficiar a população local.

De acordo com Diego, a praça vizinha à loja da John Cunningham era um espaço abandonado e marcado pela presença de usuários de drogas. A empresa revitalizou a área e planeja instalar, ainda em 2019, equipamentos de lazer para os moradores da região. “Era uma área abandonada, apontada por algumas pessoas como uma cracolândia. Depois que iniciamos o processo de revitalização, a sociedade também gostou, porque trouxe outros ares para a redondeza. A gente quer chamar todo mundo para o local e até este ano queremos disponibilizar internet gratuita, além de continuar pintando, cuidando da estrutura e das árvores que plantamos”, explica o empreendedor.

Ainda no âmbito social, os empresários promoveram uma campanha que uniu moda, meio ambiente e auxílio a dependentes químicos. No ano passado, eles participaram de um evento de moda em Fortaleza onde descobriram a fabricação de tags cheias de sementes; quando o cliente compra uma camisa, pode destacar as sementes da etiqueta e plantar. “As tags eram fabricadas por pessoas em tratamento químico. Parte do dinheiro da fabricação foi destinada para eles. Resolvemos adotar essas tags com sementes, pois fizemos uma coleção com estampas voltadas a elementos da natureza”, relata Diego. Cerca de 50 mil sementes foram colocadas em circulação nas produções da John Cunningham.

A loja física da empresa também foi arquitetada com objetos de reciclagem. A madeira utilizada é de reflorestamento e os artigos de decoração, que antes não passavam de peças de bicicleta descartadas, são criações do artesão Luiz Carlos, da cidade de Brejo da Madre de Deus, Agreste do Estado. O resultado visual corresponde a um ambiente leve, descontraído, e com um espaço que não deixa a desejar na comparação com grandes grifes nacionais.