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Reportagem 6

Condição de Aprendiz ainda precisa de reconhecimento

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Programa Jovem Aprendiz combate o trabalho infantil, mas ainda não consegue abraçar a maioria das vítimas

De acordo com a lei 10.097, é proibido no Brasil qualquer trabalho para menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. A mesma norma determina que as empresas de médio a grande porte devem possuir uma porcentagem equivalente a 5% e 15% de jovens aprendizes em trabalho e/ou estágio, sendo que estes demandem alguma função dentro da empresa.

Porém, até o jovem chegar a essa regularização, há um caminho a ser percorrido, muitas vezes árduo de ambas as partes. Dados do Ministério do Trabalho mostram que, em 2015, as ações do órgão no combate ao trabalho infantil alcançaram 482 jovens, em todo o estado de Pernambuco. Desse número, 75 foram inseridos no mercado de trabalho através do programa de aprendizagem. Em 2016, devido a uma greve no Ministério, o trabalho foi bastante prejudicado. Foram 213 ações, menos da metade do ano anterior, que terminaram empregando apenas seis jovens no final.

Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Se por um lado há essa deficiência do poder público, existe também a falta de conhecimento dos seus direitos por parte dos que estão em situação de risco. “Um fiscal do trabalho é sempre bem visto pelo empregado. Ele pensa ‘agora meu salário vai melhorar, vou ter meu FGTS recolhido’, mas esse mesmo profissional é rechaçado pelo menor, a própria vítima, que nos vê como alguém que atrapalha seu ganha pão”, conta a auditora fiscal do Ministério do Trabalho, Simone Brasil.

Caminhos

De acordo com a auditora fiscal, os locais mais propícios para essa prática irregular são borracharias, oficinas e feiras livres. “Há uma gama muito grande de informalidade e muitos desses negócios ficam em comunidades de baixa renda”, afirma. “As denúncias chegam através de telefonemas, da imprensa e da Justiça do Trabalho, principalmente, mas falta engajamento da sociedade. O trabalho infantil ainda é tolerado”, lamenta.

Os menores vitimados são identificados pelo Ministério do Trabalho, pelo Governo do Estado e pelas prefeituras, em suas respectivas fiscalizações. A Superintendência do Trabalho manda a lista dos menores para as instituições. “São realizados operativos de fiscalização. A equipe vai ao local, os menores são afastados, os estabelecimentos autuados e exigimos a verba rescisória ou a contratação legal desse jovem”, explica Simone.

Aprendiz

As instituições que recebem esses jovens precisam estar inscritas no Cadastro Nacional da Aprendizagem do Ministério do Trabalho. “Temos hoje, meninos e meninas com outra perspectiva. É um trabalho protegido, com carteira assinada, onde eles recebem para aprender uma formação profissional. Já vão sair prontos. O que o mercado quer? Gente com experiência”, esclarece Simone Brasil.

Uma dessas instituições em Pernambuco é o Centro de Integração Empresa Escola (CIEE), que desenvolve o projeto Aprendiz Legal, em parceria com a fundação Roberto Marinho. Em 2016, 78 jovens foram inseridos no programa. Todos oriundos da ilegalidade e identificados pela Superintendência do Trabalho. “Mas também recebemos aprendizes que entram em contato conosco”, explica Hemi Vilas Bôas, analista de projetos sociais do CIEE.

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As empresas contactadas para receber esses jovens são geralmente lanchonetes, lojas e bancos. Porém, apesar do que diz a lei, ainda não é fácil ser inserido nesse mercado. “Há um trabalho de sensibilização na empresa, porque a maioria dos aprendizes tem a escolaridade defasada. Existe resistência, mas tentamos convencer o empregador. Mas, por outro lado, temos algumas empresas que já são parceiras e entendem a importância.”, explica Hemi. Segundo ela, o Aprendiz Legal tem a missão não só de arrumar trabalho, mas também de capacitar e conscientizar sobre o potencial de cada um. “A maioria se interessa, porém alguns sentem dificuldade durante o trabalho e desistem por não se sentirem inseridos. Mas tentamos de tudo para que não haja esse abandono”, revela.

A Escola Dom Bosco de Artes e Ofícios também trabalha com jovens resgatados do trabalho infantil e, assim como o CIEE, é uma das organizações que compõem o Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco (Fepetipe). Segundo dados da Escola, de 2012 a 2016, foram inseridos 86 jovens no mercado de trabalho através do seu programa de aprendiz. Mais informações podem ser obtidas no site do Aprendiz Legal e no endereço virtual do CIEE.

Segundo Jaqueline de Araújo, coordenadora de aprendizagem da Dom Bosco, os mesmos problemas são enfrentados por eles. “Se não sensibilizarmos, se não quebrarmos esse ciclo vicioso, não conseguimos nada. Muitos jovens resgatados não têm autoestima e se não houver uma compreensão das empresas fica muito difícil”, confessa.

Exemplo que deu certo

Luíz Ricardo, hoje com 19 anos, colhe os frutos de ter abandonado os “bicos” que fazia durante a infância. Aos oito anos trabalhava carregando frete de caminhão e como ajudante de uma borracharia, e aos 14 era garçom de uma pizzaria. Tudo isso na cidade Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife. Conheceu o projeto do CIEE quando tinha 15 anos, através de uma vizinha e segue lá até hoje. “Foi um grande passo deixar aquilo tudo para trás. Agora eu tenho meu dinheiro certo, todos os direitos trabalhistas e benefícios”, explica o, hoje, funcionário regularizado na área de Tecnologia da Informação de uma gráfica.

No Aprendiz Legal, Ricardo está matriculado no momento no curso de Produção Industrial. Toda experiência que adquiriu desde que era criança ele tenta passar para os mais novos, inclusive dentro de casa. “Eu tenho uma irmã de 17 anos que eu nunca deixei que trabalhasse. O mais importante é se concentrar nos estudos”, diz.

De acordo com Hemi Vilas Bôas, o maior problema é a naturalização do trabalho infantil. “É uma ideia distorcida. As pessoas ainda acreditam que é a melhor opção. Aí diz é ‘melhor o menino trabalhando do que roubando, do que perturbando’. E não. É melhor ele estudando e brincando, para que possa ter oportunidades futuramente e que desenvolva o seu psicológico de forma natural”, confirma.

Poder público estadual e municipal

Em fevereiro deste ano, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude de Pernambuco foi destaque nacional nas ações do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho infantil). Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Estado está entre os dez com melhor desempenho nas Ações Estratégicas do PETI (AEPETI). Mesmo assim, os dados da última PNAD mostram um acréscimo de 12,8% de trabalho infantil em Pernambuco – pessoas de 5 a 17 anos -, que, junto com o Rio Grande do Norte, foram os únicos que registraram aumento.

De acordo com Leônidas Leal, coordenador estadual do PETI, há dois principais motivos para os números negativos: a seca e a crise econômica, uma vez que as crianças intensificaram o trabalho em busca de renda. Segundo ele, hoje, existem 68 municípios com ações de combate ao trabalho infantil, que recebem financiamento do Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

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Apesar dos esforços, sete cidades da Região Metropolitana possuem altas incidências: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Paulista, Camaragibe, Cabo e Igarassu. “O papel do Estado é assessorar tecnicamente os municípios e fazer o link com o Ministério, além de planejar atos de enfrentamento e promover campanhas de conscientização e de combate, mas quem executa são as prefeituras”, esclarece Leônidas.

À administração municipal cabe desenvolver ações de identificação e atendimento no âmbito da assistência social. No Recife, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos trabalha, sobretudo, com a sensibilização em grandes eventos como Carnaval, São João e a festa católica do Morro da Conceição.

Já o direcionamento ao mercado de trabalho é difícil. “Quando uma empresa é flagrada, na maioria das vezes, o empregador prefere pagar a multa do que contratar o menor como aprendiz, porque sai mais barato”, conta a gerente da Proteção Social Especial de Média Complexidade da Prefeitura do Recife, Valéria Monteiro. “Em 2016, conseguimos encaminhar 12 jovens. É um número pequeno para quem está de fora, mas pra mim não é, pois sei da dificuldade com a qual trabalhamos”, revela.