"Peço licença para contar esta história"

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Brasília se vestiu de couro há quase três anos. Vaqueiros do Nordeste do Brasil, verdadeiros símbolos de coragem diante da seca e das artimanhas da caatinga, foram à capital do País para acompanhar, em pleno Senado Federal, a votação do projeto de lei que regulamentou a profissão. Depois veio a sanção presidencial e os trabalhadores sertanejos, que tanto lutam na lida com o gado, vislumbraram a possibilidade de ter direitos trabalhistas respeitados pelos fazendeiros e donos de terra. Mas para muitos trabalhadores do Sertão de Pernambuco, a viagem para o Distrito Federal é a única boa recordação que ficou em suas mentes. Na crua realidade, os vaqueiros continuam sendo vítimas de inúmeras fraudes trabalhistas, ainda vivendo sob a exploração impiedosa e barata dos donos de rebanho.

Se no passado o vaqueiro não recebia dinheiro pelos serviços prestados ao patrão, uma vez que a recompensa era em forma de bezerros, hoje o que esses trabalhadores recebem não chega nem a um salário mínimo. Trabalham sem carteira assinada e são submetidos, durante os mandados dos donos de gado, a longas, imprevisíveis e perigosas jornadas de trabalho dentro da caatinga. Conduzem os rebanhos – os poucos que resistiram à seca - de um ponto para outro em busca do melhor pasto, e o que ganham em troca é o desrespeito dos empregadores que não valorizam o sacrificado e heroico trabalho dos homens do Sertão.

Além das irregularidades cometidas contra os trabalhadores, os vaqueiros também sofrem com os perigos da luta com o gado. O que não faltam no Sertão pernambucano são encourados acidentados, muitos deles cegos por causa dos espinhos e sem qualquer auxílio vindo dos patrões. Até a produção do couro para confecção das roupas vaqueiras ocorre de maneira totalmente insalubre. Se aposentar também é um dilema e a falta de denúncias oficiais e de sindicatos em prol das causas da categoria, dificulta as fiscalizações dos órgãos competentes.

O especial "Vaqueiros – A Luta e a Lei", produzido pelo Portal LeiaJá, descreve a triste e cruel situação trabalhista de uma das profissões mais antigas da história do Brasil. Do Recife, nossa equipe de reportagem partiu em direção à cidade de Serrita, a capital do vaqueiro e palco da missa mais conhecida do povo do Sertão. Os municípios de Cedro e Salgueiro foram os outros destinos onde encontramos descaso com os trabalhadores – homens simples, de pouco ou nenhum estudo, mas de admirável experiência com a lida do gado, jogados às ordens exploratórias do patrão -. Uma realidade que se mantém, mas que já era denunciada nas canções do mestre Luiz Gonzaga: "bom vaqueiro nordestino, morre sem deixar tostão, o seu nome é esquecido nas quebradas do Sertão".

*Título da introdução inspirado na canção "A saga de um vaqueiro"