Falta de denúncias prejudica fiscalizações, diz Ministério do Trabalho
Auditor fiscal reconhece que muitos vaqueiros temem denunciar patrões, mas reforça que os casos precisam chegar aos órgãos competentes.
Além da certeza de que existem fraudes trabalhistas, há outra reclamação presente nos discursos de todos os vaqueiros: falta fiscalização por parte Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS). Muitos trabalhadores afirmam que antes e principalmente depois da aprovação da lei de regulamentação da profissão, nunca se viu uma investigação efetiva nas cidades de Serrita e Cedro, com o objetivo de encontrar casos que ferem a legislação e maltratam os trabalhadores do Sertão. Isso impede, segundo os vaqueiros, que sejam aplicadas punições para os patrões infratores. De acordo com os entrevistados, também não há campanhas de conscientização ou até mesmo a divulgação dos direitos trabalhistas da categoria. Mais uma vez, a reclamação dos encourados remete a Brasília, relembrando o dia da aprovação do projeto de regulamentação como um instante de esperança que caiu por terra a partir do momento que os nordestinos voltaram para o Sertão e enxergaram que não houve melhorias.
Por outro lado, é fato que não existe uma mobilização da categoria em prol da causa dos vaqueiros. Em Pernambuco, por exemplo, não há um sindicato que os represente e busque, através de protestos e denúncias formalizadas, o cumprimento dos direitos trabalhistas. Existem apenas associações, porém, sem apoio político e organização. De acordo com o MTPS no Estado, praticamente não há denúncias formalizadas de vaqueiros contra os seus patrões e isso acaba dificultando a mobilização de equipes que poderiam investigar os fatos denunciados. Mas os motivos para isso são muitos, alegados pelos próprios vaqueiros: receio de perder o sustento e medo dos patrões infratores são alguns.
Em entrevista ao LeiaJá, o auditor fiscal do trabalho responsável pelas investidas nas áreas rurais em Pernambuco, Rubens Mesquita, reconhece que não foram realizadas, até o momento, fiscalizações focadas na situação dos vaqueiros, nem mesmo depois da regulamentação da profissão. Porém, ele argumenta que justamente a falta de formalização das denúncias atrapalha uma melhor organização por parte do MTPS para enviar ao Sertão equipes de fiscais com o objetivo de identificar fraudes trabalhistas e principalmente encontrar os donos de terra exploradores.
“Nós fazemos um planejamento para alcançar regiões de todo o Estado. Temos equipes distribuídas por várias cidades de Pernambuco e assim vamos atendendo às demandas. Porém, nós priorizamos denúncias formalizadas e partir daí fazemos visitas. O caso dos cortadores de cana de açúcar é um exemplo de categoria que recebeu a nossa ajuda. Por isso é tão importante que os vaqueiros se mobilizem e tragam as denúncias ao Ministério”, explica o auditor fiscal.
Reconhecendo que pela primeira vez um veículo de comunicação apurou fraudes contra os vaqueiros e levou as denúncias ao MTPS, Rubens Mesquita prometeu apurar com profundidade as informações dos denunciantes e afirmou que existe a possibilidade de uma mobilização em prol dos vaqueiros. “Se existe falta de registro profissional, temos que investigar. Mas é bom lembrar que a gente não tem um estudo de inteligência. Nós atuamos através de denúncias”, declara Mesquita.
Os endereços das agências do Ministério do Trabalho podem ser encontrados na página virtual da pasta, assim como os telefones das unidades. Em Pernambuco, a superintendência do MTPS fica na Avenida Agamenon Magalhães, número 2000, no bairro do Espinheiro, Zona Norte do Recife. O telefone da sede é (81) 3427-7900. Os trabalhadores fraudados podem fazer as denúncias e garantir o sigilo de suas identidades.
MPT reforça a importância das denúncias
Coordenador nacional de defesa do meio ambiente do trabalho, o Procurador do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco (MPT-PE), Leonardo Osório Mendonça, em entrevista ao LeiaJá, também destaca o quanto é importante os vaqueiros formalizarem as denúncias. Para Mendonça, o trabalhador precisa, de uma vez por todas, ter a consciência de que tem direitos trabalhistas que devem ser respeitados. “O vaqueiro teria todos os direitos trabalhistas até mesmo sem a regulamentação da profissão, por causa das normas da CLT já firmadas há bastante tempo. O que há também é que alguns trabalhadores não se enxergam como trabalhadores de carteira assinada. Esse pensamento precisa mudar. A carteira é um bem do trabalhador de qualquer profissão”, orienta o procurador.
Mendonça reconhece que muitos trabalhadores não formalizam suas denúncias por medo. Mas ele lembra que o patrão opressor é passível de punição caso haja ameaças contra o trabalhador. “Infelizmente existe o medo, o temor de procurar o direito. Mas é importante lembrar que retaliação é uma forma de discriminação e aqui no MPT reconhecemos denúncias anônimas”, afirma. No vídeo a seguir, o procurador detalha mais formas de como o vaqueiro pode formalizar denúncias de fraudes. Ele também reforça a importância de se combater a exploração sofrida pelos homens que lutam na lida com o boi:
Leonardo Osório Mendonça ainda condena os casos de vaqueiros que recebem menos que um salário mínimo. Segundo denúncias, existem quantias baixíssimas, em que a soma dos valores pagos a um vaqueiro não chega a R$ 500 mensais. De acordo com o procurador, o patrão ou dono da terra onde o vaqueiro trabalha precisa assumir as questões financeiras e honrar, sem nenhuma desculpa, pelo menos o salário mínimo do trabalhador, conforme está previsto na CLT. E existe punição para quem descumprir a norma. Ouça as explicações do procurador no áudio a seguir:
O procurador do MPT-PE garantiu que todas as demandas de denúncias feitas pelos vaqueiros serão analisadas. “Existem vários problemas na área trabalhista, infelizmente. Procuramos sempre, de acordo com aqueles problemas mais relevantes, pautar a nossa atuação. Mas para que a gente saiba quais são esses problemas, é importante que as denúncias sejam feitas para que a gente possa fazer um retrato de onde agir, através de ofício ou de articulação, para regularizar a situação”, orienta. Os trabalhadores podem acessar o site do MPT-PE e, se for de sua vontade, podem solicitar o sigilo de suas identidades. O Ministério garante que os nomes dos denunciantes não serão vazados.
E os patrões?
O LeiaJá procurou conversar com representantes de algum grupo sindical pernambucano da categoria dos patrões que criam gado. Porém, não encontramos sindicato ou associação que pudesse se posicionar no que diz respeito às denúncias feitas pelos vaqueiros. Ao que tudo indica, não existe organização sindical de patrões no Estado. Também tentamos contato com uma instituição que reúne criadores de várias regiões do Nordeste, mas, por não se tratar de uma representação sindical do patronato, a Sociedade Nordestina dos Criadores (SNC), através da sua assessoria de imprensa, preferiu não falar sobre o assunto. Sobre os patrões dos vaqueiros entrevistados neste especial, os próprios trabalhadores preferiram não revelar os nomes dos donos de terra. Alguns dos entrevistados alegam medo de perder o “emprego” e outros não escondem o receio de represálias.