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Um passeio para guardar na memória

O especial

O especial

Entre os capítulos da história do Recife, o tema mobilidade sempre esteve presente. A cidade evoluiu, sua população cresceu e o espaço urbano sofreu um aumento expressivo na quantidade de veículos, além de importantes mudanças que ocorreram nos serviços de transporte público. Hoje, a capital pernambucana e cidades vizinhas mantém o assunto em pauta e enfrentam inúmeros desafios, muitos deles atrelados à forma como a população se locomove.

Revivemos momentos marcantes da história do transporte coletivo na capital pernambucana e entendemos de que forma contribuíram para o contexto atual. ‘Um passeio para guardar na memória’, novo especial jornalístico do LeiaJá, rememora os primeiros modelos de transporte do Recife, em um período que até a tração animal contribuiu para a mobilidade da cidade.

Recordamos a saudosa fase dos bondes, bem como dos veículos movidos a vapor, que deixaram marcas ainda presentes no modelo arquitetônico do Recife. Passados os primórdios históricos, resgatamos a história dos trólebus, os famosos ônibus elétricos que marcaram época nos corredores recifenses.

A formação do atual sistema de transporte coletivo também está entre os nossos resgates, além das estratégias que podem trazer melhorias para os usuários do serviço. Outra abordagem, que nos leva a um passeio dos trens ao metrô, retrata a evolução e percalços da mobilidade sobre trilhos.

Ainda na linha evolutiva da mobilidade na Região Metropolitana do Recife, resgatamos uma época em que transportes taxados como irregulares prestaram – um polêmico – serviço. Outras polêmicas também marcam as tentativas frustradas do poder público em tornar um dos maiores símbolos da cidade ‘navegável’. Até hoje, o transporte público por meio do Rio Capibaribe não saiu do papel.

Diante de tantas lembranças e dos planos que podem contribuir para a mobilidade pernambucana, o LeiaJá convida você, caro leitor, a ‘Um passeio para guardar na memória’. No vídeo a seguir, confira trechos das nossas matérias e reviva momentos marcantes do transporte coletivo:

 

 

Primórdios

Dos primórdios aos ônibus, um resgate histórico da mobilidade

Bondes e veículos puxados por animais são
exemplos de modais que marcaram história em Pernambuco
Por Geraldo de Fraga

Um transporte que começou a unir o Recife e batizou bairros cujos nomes permanecem até hoje, exatos 150 anos depois. Entre eles, Casa Amarela, Encruzilhada e Ponte de Parada, estações na época. Primeiro trem urbano do Brasil, a Maxambomba foi a responsável por remodelar uma cidade que já necessitava de um meio de locomoção pública para suprir a demanda de aproximadamente 80 mil pessoas.

Como não podia ser diferente, a chegada da pequena locomotiva, em 1867, foi uma revolução em uma terra que queria ser grande. “O Recife da segunda metade do século XIX buscava adaptar sua estrutura urbana ao progresso disseminado pela Europa, mesmo com uma economia debilitada e com muitos problemas estruturais”, explica o historiador Sandro Vasconcelos, gerente de Pesquisa e Iconografia do Museu da Cidade do Recife.

Maxambomba saindo do bairro de ApipucosMaxambomba saindo do bairro de Apipucos (Foto: Museu da Cidade do Recife/Arquivo)

A iniciativa partiu de empresários ingleses que já atuavam em algumas áreas de prestação de serviços na capital. O nome, inclusive, é uma forma “abrasileirada” de Machine Pump, no original. O historiador José Lins Duarte, em sua tese de mestrado “Recife no Tempo da Maxambomba (1869-1989): O Primeiro Trem Urbano do Brasil”, conta que o empreendimento foi instalado pela companhia Brazilian Street Railway Company Limited, através de um contrato de concessão feito com o Governo da Província de Pernambuco.

Ainda segundo sua publicação, os trajetos feitos pelo veículo acabaram por estimular o assentamento habitacional e o comércio por onde os trilhos seguiram. "O empreendimento proporcionou o distendimento do ramo imobiliário, inclusive favorecendo a camada da população de menor recurso financeiro. Além disso, no entendimento de grupos mais influentes, representava progresso e civilidade advindos do intercâmbio com a Europa", explica.

Antiga estação da Maxambomba de Ponte d'Uchôa, no bairro das Graças Antiga estação da Maxambomba de Ponte d'Uchôa, no bairro das Graças (Foto: Alexandre Berzin)

Bilhete da Maxambomba em 1890Bilhete da Maxambomba em 1890 (Foto: Leonardo Dantas Silva/Arquivo)

O funcionamento, porém, era bem simples. A locomotiva operava movida a vapor e transportava cerca de 30 pessoas por viagem. “Elas puxavam de dois a quatro vagões e se dividiam entre primeira e segunda classe, com preços diferentes. Uma tinha assento estofado e a outra era de madeira dura. Quem pagava mais caro ia na frente, como são os trens”, afirma o jornalista e historiador Leonardo Dantas Silva. O valor da passagem era de 200 réis.

No vídeo a seguir, Leonardo detalha o início do transporte coletivo no Recife a partir das Maxambombas.

Tração animal como serviço pioneiro

O pequeno trem a vapor, porém, não foi o primeiro meio de transporte público da província. Antes havia os ônibus, que, apesar do nome, nada mais eram do que diligências puxadas por cavalos. Elas entraram em circulação a partir de 1841, pelas mãos do empresário inglês Tomás Sayle. O serviço chegou a atender Casa Forte, Apipucos e, a partir de 1852, Olinda e Jaboatão, quando passou a ser administrado pelo pernambucano Cláudio Dubeux.

Bonde de burros circulando pelos bairros do RecifeBonde de burros circulando pelos bairros do Recife (Foto: Museu da Cidade do Recife/Arquivo)

A chegada da Maxambomba foi o principal motivo para o fim desse empreendimento, mas curiosamente, outro veículo de tração animal surgiu paralelamente ao trem urbano. Em 1871, os bondes de burro entraram em cena. Segundo José Lins Duarte, esse novo modelo de transporte gerou até um mal estar entre as empresas. “Tratava-se de veículos que se deslocavam sobre trilhos, os quais passaram a atender as áreas centrais da cidade, iniciando suas atividades no Bairro do Recife, do Brum até a Madalena. Essa companhia (Pernambuco Street Railway), antes mesmo do seu estabelecimento, já contou com o protesto da ferrovia inglesa”, diz.

Os veículos puxados pelos burros duraram até 1915. Mas seu fim não significou que a Maxambomba voltaria a reinar sozinha. O trem a vapor sucumbiria logo depois, em 1920, vítima do mesmo progresso do qual ele próprio se aproveitou um dia.

O apogeu da energia elétrica

O serviço de bondes elétricos no Recife foi inaugurado em 1914 e não encontrou dificuldades para se firmar como o que havia de mais moderno em termos de mobilidade. “No mesmo ano em que entrou em circulação, começou a operação das linhas ligando o centro do Recife aos bairros do Cabanga, Soledade, Jiquiá e à cidade de Olinda”, explica o professor Maurício Pina, em sua dissertação de mestrado “Estudo dos Mecanismos e Políticas de Renovação e Ampliação de Frotas de Ônibus Urbanos no Brasil: Caso da Região Metropolitana do Recife”.

Bonde elétrico na Ponte Princesa Izabel, no RecifeBonde elétrico na Ponte Princesa Izabel, no Recife (Foto: Museu da Cidade do Recife/Arquivo)

Ainda, segundo o estudo, “os melhores serviços de transporte coletivo urbano sobre trilhos, em todo o Brasil, eram os das cidades do Recife e Porto Alegre”. A concessionária desse serviço era a empresa The Pernambuco Tramways & Power Company Limited, que aproveitou os trilhos e estações das Maxambombas. De acordo com Leonardo Dantas Silva, além de gerir os veículos e a distribuição de energia elétrica na capital, a companhia se integrou também à vida social do Recife. “Eles tiveram time de futebol, banda de música e participavam do carnaval da cidade. Eram também os responsáveis pelos célebres banhos de mar à fantasia”, explica.

Falar do bonde elétrico é um deleite para Leonardo Dantas Silva. “Meu pai foi quem montou os primeiros bondes daqui, quando ele terminou o curso de energia elétrica”, orgulha-se.

Fim da era dos trilhos e primeiros ônibus artesanais

Mesmo sendo o principal meio de transporte durante quase meio século, o historiador Thiago Pereira conta que nem tudo eram flores nas viagens dos bondes elétricos. “Os trilhos não ligavam os bairros. Os trajetos eram apenas do subúrbio para o centro e isso limitava as pessoas”, afirma. De acordo com ele, havia ainda precariedade no serviço. “Há relatos de acidentes nos jornais da época, principalmente nos meses de chuvas, quando os trilhos às vezes afundavam e o veículo tombava. E mesmo viajando a apenas 20 km/h, também ocorriam atropelamentos”, diz.

Beliscada era um ônibus adaptado em uma carroceria de caminhãoBeliscada era um ônibus adaptado em uma carroceria de caminhão

Maurício Pina conta ainda que o apogeu dos bondes elétricos ocorreu em 1942. “No entanto, a 2ª Guerra Mundial trouxe algumas dificuldades sérias à manutenção do serviço oferecido, em virtude da proibição de importação de peças de reposição e à inexistência de indústrias nacionais do ramo”, relata.

A partir dos anos 30, o surgimento dos primeiros ônibus supriu algumas das necessidades da periferia. “Esses novos veículos faziam trajetos que os bondes não conseguiam. Porém, no começo, eram carros pequenos, levavam no máximo 20 pessoas, onde os próprios donos eram os motoristas e a passagem era cara”, explica o historiador Thiago Pereira.

As primeiras empreitadas, na verdade, eram quase artesanais, de acordo com Leonardo Dantas Silva. “Vieram as ‘sopas’ e as ‘beliscadas’, que eram adaptações de caminhões paus de araras. As pessoas subiam por trás e sentava todo mundo nos bancos. Beberibe a Água Fria eram alguns dos bairros atendidos”, fala.

 

Linha do tempo - Gráfico

Vivi Menezes

Os bondes elétricos encerraram suas atividades no final da década de 1950, mas já em 1944 a era de ouro dos ônibus teria início. Aquele ano marcaria o surgimento da primeira grande empresa do ramo. Em sua tese de mestrado “Pernambuco Autoviária: História da Ascensão e Extinção de uma Empresa de Transportes Urbanos de Padrão Incomum para sua Época”, o pesquisador Eduardo Pereira da Costa detalha que o então presidente Getúlio Vargas “sugeriu aos interventores que as grandes cidades deveriam ter um serviço de ônibus de qualidade, para suceder os bondes”.

Em Pernambuco, o governador Agamenon Magalhães procurou atender de imediato a orientação. A concorrência pública aberta pelo Estado previa a concessão do serviço de transporte de passageiros por 20 anos e foi vencida pelo empresário Virgílio “Vivi” Menezes. Mas tanto o certame, quanto a relação entre político e empresário, desde o início, foi vista com desconfiança.

Frota da Pernambuco Autoviária em frente ao Palácio do GovernoFrota da Pernambuco Autoviária em frente ao Palácio do Governo (Foto: Folha da Manhã/Reprodução)

“Quem fixou em contratos as tarifas que proporcionam ao empreiteiro de um serviço público, tão espantosos lucros? O sr. Agamenon Magalhães, o mesmo interventor que perseguia a Pernambuco Tramways”, escreveu Assis Chateaubriand em um artigo no Diario de Pernambuco, no dia 15 de fevereiro de 1947, de acordo com Eduardo Pereira da Costa.

Polêmicas à parte, os modernos veículos de Vivi Menezes deixaram uma marca na cidade, principalmente na memória de quem os viu cruzar as ruas e avenidas da capital. “Foi um momento de triunfo. O ônibus era uma novidade e muito confortável. Os de antes tinham assentos de madeira, mas esses eram estofados. Era uma oferta diferenciada e um apelo da modernidade”, explica César Cavalcanti, gerente de Planejamento de Transporte Público do Instituto Pelópidas.

Além de estudioso do tema, seu testemunho é de uma testemunha ocular. “A configuração urbana também era diferente, a cidade era menor e menos densa. Havia poucos carros populares, então a classe média usava o transporte público. Vi gente de terno e gravata nesses ônibus”, completa.

Ônibus da Pernambuco Autoviária na Avenida Guararapes em 1950 Ônibus da Pernambuco Autoviária na Avenida Guararapes em 1950 (Foto: Folha da Manhã/Reprodução)

A firma tinha três garagens: uma próxima ao Forte do Brum, outra na Avenida Cruz Cabugá, e a terceira na Madalena. O escritório funcionava no edifício Sulacap, na Avenida Guararapes. Segundo Eduardo Pereira da Costa, “as informações colhidas indicam que a Autoviária começou a operar com 16 ônibus Chevrolet”. Porém, “chegou a possuir 197, 54 White a gasolina, mais 46 a diesel, 7 Super-White, 54 REO, Volvo, Chaussant e Flora e Renault, em experiência. Os jornais publicaram que ela chegou a ter uma frota diária nas ruas de 150 veículos. Abastecia com 6 mil litros de gasolina e 2 mil de óleo diesel, diariamente, em 1946”.

Toda essa pompa durou até 1955, onze anos após sua inauguração, mesmo que o contrato previsse duas décadas de prestação de serviço. Durante esse tempo, porém, outras empresas também existiram, atuando nos bairros por onde os ônibus de Vivi Menezes não passavam. "As linhas que ele não quisesse, ele podia ceder para outros interessados. Foi o caso de João Tude, que arrendou a linha Boa Viagem que naquela época o acesso era muito ruim, só tinha uma ponte estreita que passava apenas um carro e o outro tinha que parar”, conta Eduardo Pereira da Costa.

Propaganda veiculada no jornal Folha da Manhã (1945)Propaganda veiculada no jornal Folha da Manhã (1945)

Sua tese indica que um conjunto de problemas foi responsável pela falência da Autoviária, entre eles, dívidas trabalhistas e a concorrência que nem a modernidade dos seus veículos foi capaz de vencer. "O aumento de moradores na cidade obrigou o espalhamento da população do Recife, que passou a morar nas zonas mais afastadas (...) Estes lugares não possuíam calçamento e esta população deveria ser atendida pelo Autoviária, o que não era feito, abrindo espaço para as empresas não cadastradas, pelas beliscadas ou pelas correições (outro veículo artesanal)”.

O Diario de Pernambuco noticiava em 23 de abril de 1955: "Iniciada a liquidação da Autoviária, cedem-se linhas, pagam-se as dívidas e demitem-se funcionários". Na época, outras empresas já se destacavam, como a Pedrosa e a Linhas Unidas. Dois anos mais tarde, surgia a Companhia de Transportes Urbanos do Recife (CTU), na gestão do prefeito Pelópidas da Silveira, que traria outro veículo público que seria considerado de nova geração.

 

 

Trólebus

Ônibus elétricos: marcantes na história recifense, trólebus deixaram saudade

Veículos dependiam de vias exclusivas e mantinham vínculo contínuo com as redes elétricas. Quem passeou nos trólebus guarda belas lembranças do serviço na capital pernambucana
Por Nathan Santos

Todo saudosismo é válido quando tratamos das riquezas históricas e culturais da capital pernambucana. Recife e seu povo encantam e carregam uma rica trajetória que a coloca como uma das cidades mais importantes para a formação da história do Brasil. Das inovações de Maurício de Nassau ao Manguebeat de Chico Science, dos casarões às pontes que cortam a Veneza Brasileira, elementos do passado unem-se à contemporaneidade para enriquecerem ainda mais os registros do nosso lugar. E na linha evolutiva do desenvolvimento urbano, a história local é complementada pela maneira como o transporte coletivo marcou épocas e ainda hoje se mostra como um assunto essencial no que tange ao direito da população pelo espaço público.

Passadas as épocas históricas dos bondes e seus primórdios, outro fato é considerado marcante nos registros do transporte coletivo do Recife e Região Metropolitana. Em 1960, durante o mês de maio, teve início a operação dos ônibus elétricos, conhecidos como trólebus, cujo funcionamento dependia de uma estrutura vinculada às redes elétricas da cidade. Na parte de cima dos veículos, varões de ferro, popularmente chamados de "bananas", eram fixados nos fios inseridos em corredores exclusivos, sendo a energia o único "combustível" necessário para a circulação dos veículos importados dos Estados Unidos.

Inauguração da linha Torre-Madalena na Avenida Guararapes, no dia 13/05/1960. (Foto: Museu da Cidade Recife 02126)Inauguração da linha Torre-Madalena na Avenida Guararapes, no dia 13/05/1960. (Foto: Museu da Cidade Recife 02126)

O professor e mestre em transportes pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Maurício Pina, explica em sua tese "Estudo dos Mecanismos e Políticas de Renovação e Ampliação de Frotas de Ônibus Urbanos no Brasil: Caso da Região Metropolitana do Recife", como se deu o início da operação dos trólebus na capital pernambucana. Segundo a pesquisa, a prefeitura local criou a Companhia de Transportes Urbanos (CTU) por meio de lei municipal do dia 26 de dezembro de 1957, órgão recifense que geriu os próprios trólebus de origem americana, responsáveis por viabilizar o transporte da população.

"A primeira linha de trólebus implantada foi a de Torre-Madalena, com 12 veículos. Em julho e outubro do mesmo ano, os ônibus elétricos passaram a operar, respectivamente, as linhas de Casa Amarela e Campo Grande. No final de 1960, a CTU já dispunha de 38 trólebus em operação efetiva (Mendonça e Pereira, 1987), embora a sua frota total de trólebus já alcançasse 65 veículos, modelo TC 50, de fabricação da Marmon Harrington Co., de Indianapolis, Estados Unidos da América do Norte", consta na tese do professor Maurício Pina.

À medida que o serviço ganhava corpo na capital pernambucana, a CTU expandia a atuação dos ônibus elétricos. Os registros apontam que em 1961 foi criada a linha de Fundão, Zona Norte do Recife. Na época, mais de 60 veículos de origem norte americana circulavam na cidade. No entanto, de acordo com Pina, no ano seguinte a CTU rompeu com a ideia inicial de apenas operar com trólebus, passando a incrementar à frota 60 veículos a diesel comprados junto à Companhia Metropolitana do Rio de Janeiro.

Instalação da rede elétrica em 1960. (Foto: Museu da Cidade do Recife 02509)Instalação da rede elétrica em 1960. (Foto: Museu da Cidade do Recife 02509)

Ainda na década de 60, a CTU contava com o poderio concedido pela Prefeitura do Recife para aumentar sua autonomia na gestão e operação do transporte coletivo da cidade. Entretanto, o início de 1970 resultou em problemas para a Companhia, sem contar as dificuldades para a manutenção da frota. Segundo o estudo do professor Maurício Pina, houve uma política de "desmonte e alienação de veículos e uma má conservação do sistema de trólebus como um todo, incluindo a rede aérea e as subestações, e no ano de 1975, a frota era pouco menos da metade da existente em 1970: 222 ônibus".

No final da década de 70, a CTU atingiu um estado crítico, com sérios problemas financeiros e parte de sua frota em estado de sucata. Em 1980, a frota era de 236 ônibus, dos quais 55 elétricos e 181 a diesel.

Ainda de acordo com o professor Maurício Pina, um fato extremamente importante na história do transporte coletivo do Recife e Região Metropolitana ocorreu em 1980, quando foi implantada a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos – EMTU/Recife. Nascido de uma lei estadual, o órgão teve a missão de estruturar, gerenciar e fiscalizar o sistema de transporte público de passageiros da RMR, e em consequência, a CTU passou a ser apenas a operadora, junto a outras empresas privadas proprietárias de ônibus a diesel. No entanto, o serviço de trólebus permaneceu exclusivo para a CTU.

Registro de ônibus elétrico nas ruas do Recife em 1982. (Foto: Museu da Cidade do Recife 33533)Registro de ônibus elétrico nas ruas do Recife em 1982. (Foto: Museu da Cidade do Recife)

Para a circulação dos ônibus elétricos, era importante a viabilidade de corredores exclusivos e espaços onde não fossem necessárias manobras bruscas e com intensidade de curvas. Justamente pelo vínculo com a rede elétrica, a mobilidade era limitada - no máximo 60 km -, devendo prevalecer vias exclusivas e com a predominância de percursos retilíneos. Por esses fatores, o transporte por meio trólebus foi marcado por três principais corredores: Avenida Caxangá, PE-15 ligando Olinda a outras cidades da Região Metropolitana e Avenida Norte. O corredor da Caxangá, por exemplo, tinha um terminal próximo ao bairro da Várzea e fazia o trajeto rumo à Avenida Guararapes, Centro do Recife. No vídeo a seguir, o professor Maurício Pina relembra a atuação dos trólebus e traz mais detalhes da operação:

Ainda na década de 80, os ônibus elétricos passaram por mais dificuldades de manutenção. O próprio custo em prol do bom estado das redes elétricas era alto e obrigava robustos investimentos da CTU. Marcos Araújo, técnico de manutenção de ônibus elétricos do período, relembra grandes ações realizadas pela Prefeitura do Recife para tentar manter vivo o serviço na capital pernambucana. Ele recorda, por exemplo, quando todo o sistema passou por uma grande reformulação com o objetivo de modernizar tanto a frota quanto a rede elétrica, cujo foco era atender os corredores da Caxangá e Avenida Norte.

Hoje gestor da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), Marcos também recorda as reformas realizadas nas carrocerias dos coletivos. De acordo com ele, servidores da CTU recuperavam os veículos para manter a circulação, no entanto, o custo - cuja quantia Marcos não lembra - mostrava-se alto e os coletivos a diesel, começando a ganhar força em linhas complementares, tinham a manutenção mais em conta. Ainda de acordo com ele, entre os anos também houve significativa redução da quilometragem da rede elétrica por onde os coletivos transitavam.

Gráfico dos KM das redes

Recordando com saudosismo do trabalho realizado na CTU, Marcos conta que com o passar dos anos foi promovido de técnico a gestor de manutenção. Pela sua experiência com trólebus, considera a atuação dos veículos um forte marco da história do transporte coletivo do Recife. "As pessoas gostavam do ônibus elétrico, quem andou não esquece. Era uma energia limpa, que não poluía o meio ambiente. Transporte seguro, praticamente não registramos acidentes", comenta Araújo.

Segundo ele, os veículos tinham sintonia com o que se discute hoje sobre transporte sustentável, pois não emitiam gases. No entanto, pela atual conjuntura de redes elétricas desgastadas e desorganizadas, além de mudanças que aconteceram nas linhas recifenses e da RMR, Marcos considera que é impossível voltarmos a ver ônibus elétricos em circulação. Mas em sua memória, eles ainda percorrem caminhos de uma história que ele relembra com detalhes. Assista no vídeo:

Trólebus deixam saudade

Pesquisador e admirador do transporte coletivo via ônibus, Claudemir Barros passou sua infância no Recife e carrega lembranças dos trólebus. Morou no bairro do Ipsep, Zona Sul da capital pernambucana, onde acompanhou a atuação dos veículos elétricos, além dos modelos a diesel que faziam linhas complementares. "Até 1977, ano em que eu tinha 11 anos, quando havia a linha Vila do Ipsep, o trólebus partia do final da Rua Jean Emile Fravre e ia até o Centro do Recife. Naquele tempo, o ônibus saía do subúrbio e dentro dos veículos o motorista tinha uma placa no sentido Centro. Quando voltava, só mudava o lado o placa, passando a ser sentido subúrbio. Não eram linhas longas, existiam poucas curvas pela questão dos carros serem ligados às redes", recorda Claudemir, que hoje reside em Fortaleza.

Natural da cidade de Água Preta, Mata Sul de Pernambuco, a pedagoga Edite de Oliveiras Dias é usuária ferrenha do transporte público. Há quatro décadas mudou-se para o Recife e desde então priorizou os coletivos como meio de mobilidade, alimentando seu direito de, como cidadã, contar com o serviço. Hoje, aos 69 anos, está em plena atividade como educadora e aponta a atuação dos ônibus elétricos como um marco da história da evolução urbana recifense. "Sempre gostei de passear ou ir ao trabalho de ônibus. É mais barato, o cidadão merece", diz a pedagoga.

Registro de ônibus elétrico em atuação no Recife. (Foto: Divulgação/CTU)Registro de ônibus elétrico em atuação no Recife. (Foto: Divulgação/CTU)

Moradora do bairro da Iputinga, próximo à Avenida Caxangá, Zona Oeste do Recife, Edite conta que, por inúmeras vezes, realizou trajetos em ônibus elétricos. Passou pelos corredores da PE-15 - quando seguia para a cidade de Paulista, onde trabalhava - e Avenida Norte, mas foi na Caxangá onde utilizou com mais frequência os veículos interligados à rede de energia. Ela recorda da década de 80, além do período final do serviço, entre 1990 e 2001. "Era bastante tranquilo usar o ônibus elétrico da Avenida Caxangá até o Centro do Recife. Andei muito pela Avenida Guararapes e depois retornava para a Caxangá, onde desembarcava do veículo e ia caminhando para minha casa. O único problema era quando o ferro saía do fio... O motorista tinha que descer e colocar novamente na rede. Isso atrasava um pouco a viagem", conta Edite, de maneira descontraída.

Gráfico dos tipos de veículo e empresas

A logística de atendimento aos passageiros era similar ao que ocorre atualmente. Os clientes adquiriam bilhetes de papel - na década de 90, chegaram a custar um valor em torno de R$ 50 - e ingressavam nos veículos passando por catracas, bem como contavam com integrações, a exemplo do terminal construído na Caxangá alimentado tanto pelos trólebus como por veículos complementares. Esses últimos, movidos a diesel, eram responsáveis pelos trajetos mais suburbanos e até chegavam à área central do Recife e em municípios da RMR, enquanto que os elétricos mantinham-se em corredores exclusivos e retilíneos.

"Na década de 90, por exemplo, existiam o corredor da Caxangá e as linhas radiais que iam para o Centro. No final da Caxangá existia um terminal onde havia linhas que atendiam o bairro da Várzea e algumas localidades do município de Camaragibe", explica Taciana Ferreira, que atuou no setor de operações da CTU e hoje é presidente da CTTU. "O terminal tinha uma integração onde havia uma baldeação de um veículo a diesel para um ônibus elétrico e esse controle era via bilhete de papel", complementa.

Gráfico dos usuários atendidos em 1997 por Trólebus

As recordações também marcam trabalhadores responsáveis por conduzir vidas nos trólebus. Em 1992, Laurinaldo Costa Lima teve a chance de se tornar motorista da CTU. Abraçou a oportunidade e conviveu diariamente com usuários dos ônibus elétricos, cortando vias da cidade e tornando-se um importante personagem da história do transporte coletivo do Recife. Também dirigiu veículos a diesel, mas é nos trólebus que ele deposita sua maior satisfação profissional. Foram dez anos à frente do volante.

Hoje, aos 64 anos de idade, seu Laurinaldo continua trabalhando como motorista. Integra a CTTU e simboliza os funcionários que, após a extinção da CTU, continuaram vinculados e prestando serviços à Prefeitura do Recife. De acordo com o motorista, conduzir ônibus elétricos representou a realização de um sonho, além de uma satisfação como trabalhador. "Eu gostava muito, era legal demais conviver com os passageiros", diz. A seguir, tanto Laurinaldo como a passageira Edite dão vida às suas memórias sobre os ônibus elétricos:

As tentativas de reparos não foram capazes de sustentar o serviço dos ônibus elétricos na capital pernambucana. O alto custo da manutenção do veículo, além dos consertos realizados nas redes elétricas, incharam as verbas da Prefeitura do Recife, ao mesmo tempo em que coletivos a diesel se apresentavam mais baratos e propícios a enfrentar trajetos com curvas e em vias de difícil acesso, sem a obrigatoriedade de vínculo com fios elétricos.

No ano de 2000, a CTU mostrava-se insustentável aos cofres da Prefeitura. O órgão, por sua vez, deu início ao processo de encerramento das atividades da companhia, quando no mesmo ano foi aberta uma disputa por licitação de uma empresa que passaria a operar o serviço de ônibus na região. Venceu a 'Cidade do Recife Transportes (CRT)' e que logo findou definitivamente a atuação dos trólebus na Veneza Brasileira. Em abril de 2001, os elétricos deixaram de circular na cidade, dando um espaço esmagador aos modelos a diesel e configurando uma mudança radical na conjuntura do transporte coletivo de Pernambuco. Deixaram saudade e a certeza de que propiciaram um elo entre o início e o destino das histórias e viagens de muitos recifenses.

 

 

Sistema

Sistema de ônibus do Recife acumula quilômetros de histórias

Entenda a evolução histórica da utilização do transporte público nos corredores da Região Metropolitana do Recife
Por Eduarda Esteves

Dos antigos Vales de Transporte de Papel (VT), utilizados como pagamento para o embarque dos passageiros no Sistema de Transporte Público de Passageiros da Região Metropolitana do Recife (STPP/RMR), à implementação do atual Vale Eletrônico Metropolitano (VEM), o cobrador Jailton dos Santos, de 55 anos, presenciou toda a mudança e inovação nos métodos de cobrança da tarifa. Nas suas contas, são quase 30 anos de carreira dedicada ao transporte público da RMR.

Foto1: Paulo Uchôa/LeiaJáImagensFoto1: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Em 2001, com a extinção dos ônibus elétricos, Jailton lembra que o serviço prestado pelos gestores do transporte público se modernizou e trouxe, por exemplo, mais estabilidade aos automóveis durante a viagem nos coletivos e consequentemente mais conforto para os passageiros. Apesar de menos ecológicos por conta do diesel, os veículos também passaram a agradar os usuários por trafegar com mais velocidade.

Sentado em sua cadeira de cobrador toda customizada com nylon para tornar a rotina mais confortável, o experiente profissional diz que passar troco e receber o dinheiro das pessoas é o que menos faz atualmente, em 2017. Jailton trabalha na linha 1953 – Maranguape II/TI Pelópidas e descreve seu trabalho em algumas etapas: receber os passageiros, liberar a catraca e realizar a contagem da bilheteria, além do valor arrecadado diariamente no fim do expediente.

Foto1: Paulo Uchôa/LeiaJáImagensFoto2: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Com a modernização do STPP/RMR, algumas linhas passaram a rodar sem cobrador e só com o motorista. Apesar do novo cenário, Jailton diz que não se assusta em perder o emprego por causa das inovações nos coletivos. Ele confia na dinamicidade do modal. “Como cobrador, acompanhei a evolução do transporte público e sei que o serviço de ônibus está em constante crescimento e a população ainda não tem direcionamento suficiente para que não haja mais a figura do cobrador”, explica. De acordo com dados do Grande Recife, já são 16 linhas com embarque exclusivo para passageiros com apenas o Vale Eletrônico Metropolitano (VEM).

No Brasil, de acordo com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), os ônibus atendem atualmente a cerca de 87% da demanda de viagens nas cidades brasileiras. São 1.800 empresas operando uma frota de 107 mil ônibus que estão presentes em 3.311 municípios no país, transportando diariamente 40 milhões de passageiros. Na Região Metropolitana do Recife, o ônibus também é o meio de transporte mais utilizado pela população. Atualmente, a frota conta com quase 3 mil veículos, 400 linhas, e mais de 2 milhões de usuários por dia.

A logística atual dos ônibus integrados entre as cidades é recente na linha do tempo do transporte público. No início da década de 1960, os coletivos funcionavam com caráter municipal e cada empresa interferia nos trajetos, horários e arrecadação dos veículos. Na época, as 66 empresas operadoras das 157 linhas de ônibus existentes na RMR atuavam em concorrência, sem restrições de circulação. O transporte era desorganizado e às vezes nos horários de pico, as linhas não comportavam a população. Outro ponto negativo é que os trajetos não atendiam os locais de difícil acesso e poucas viagens cruzavam municípios, por exemplo.

Passeio de ônibus pela cidade do Recife no ano de 1983 (João Quirino/Acervo histórico do Museu da Cidade do Recife)Passeio de ônibus pela cidade do Recife no ano de 1983 (João Quirino/Acervo histórico do Museu da Cidade do Recife)

Vinte anos depois, dinâmico e em constante expansão, o transporte coletivo por ônibus começou a ganhar o caráter metropolitano na década de 1980, com a criação da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU-Recife), pela Lei Estadual n° 7.832. Com a defasagem e o formato que deixava a desejar mais qualidade, o objetivo era de estruturar, gerenciar e fiscalizar um Sistema de Transporte da RMR. A implantação de modelos como o zoneamento operacional, as integrações de terminais, a criação da bilhetagem eletrônica e a Câmara de Compensação Tarifária são iniciativas que marcam a gestão da EMTU.

Um dos marcos da empresa de transportes foi a criação do Sistema Estrutural Integrado (SEI), em 1985, em que os usuários utilizam diversas linhas de ônibus e uma de metrô com um único pagamento de tarifa por sentido de deslocamento. Antes, um passageiro que se deslocasse entre cidades, pagaria mais de uma passagem. De acordo com o ex- presidente da EMTU, Dilson Peixoto, a implantação do SEI tinha três principais objetivos: racionalizar os modos de transporte, criando as integrações, reforçar o caráter social do transporte público e melhorar a conexão da área central da cidade com os bairros, pelos eixos perimetrais, ampliando as possibilidades de deslocamento.

Terminal Integrado Pelópidas Silveira. Maior terminal já construído na Região Metropolitana do Recife (Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens)Terminal Integrado Pelópidas Silveira. Maior terminal já construído na Região Metropolitana do Recife (Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens)

“Em vez de termos todas as linhas vindo para o centro, algumas deixavam de vir e se deslocavam até terminais integrados. Na época, foi uma grande evolução porque antes quem saía de Olinda para Boa Viagem, teria que pagar duas passagens, por exemplo. Com as integrações, os passageiros poderiam ter o custo de apenas uma tarifa”, conta. Segundo o livro “Sucesso metropolitano no Recife e influências estatal e empresarial no Nordeste”, do ano de 1999, a concepção do SEI e dos terminais de integração “representava a coroação dos esforços de planejamento urbano e de transporte amadurecidos ao longo dos planos e estudos realizados no decorrer da história do Recife.”

Após quase três décadas do funcionamento da EMTU, em 8 de setembro de 2008, o órgão gestor é extinto e cria-se o Consórcio de Transportes da Região Metropolitana de Recife baseado na Lei Federal 11.107, que permite a constituição de consórcios. Alguns fatores foram cruciais para o fim da EMTU. No ano de 1988, a Constituição Federal determinou que era de responsabilidade dos municípios gerir seus próprios sistemas de transporte urbano. A legislação trouxe problemas ao ponto de que cada gestão tinha o próprio sistema planejado e tarifado isoladamente.

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De acordo com Alfredo Bandeira, diretor de Planejamento do Grande Recife Consórcio, a extinção da EMTU significou um maior divisão da responsabilidade da gestão entre Estado e municípios. “A concorrência entre as empresas prejudicou o planejamento do sistema integrado. Também havia a necessidade de se estabelecer um novo modelo regulatório que buscasse através da licitação pública a exploração dos serviços de transporte de ônibus na RMR”, pontua.

Infográfico das Integrações incompletas na Avenida CaxangáFonte: Grande Recife

Apesar de uma série de desafios, como a falta de vias exclusivas, o sistema de ônibus ainda é a alternativa de custo mais acessível para as pessoas que não possuem veículos próprios e necessitam se deslocar pela cidade. De acordo com o Grande Recife, hoje são onze operadoras privadas responsáveis pelas linhas, 21 mil viagens por dia e o faturamento mensal é de R$ 100 milhões.

Uma viagem na linha ‘urbana’ mais longa da Região Metropolitana do Recife

Há 23 anos, em maio de 1994, a Linha Rio Doce/Barra de Jangada era criada. Ao todo, são quase 80 quilômetros de ida e volta, em quatro horas de viagem, cortando três cidades - Olinda, Recife e Jaboatão dos Guararapes. Nessa mesma quantidade de horas, é possível ir e voltar de Caruaru, cidade localizada no Agreste de Pernambuco, em um trajeto de 276 quilômetros, saindo da capital pernambucana. Em 2017, após mais de duas décadas em circulação, o trajeto ainda é considerado a mais longa viagem de ônibus do centro urbano da Região Metropolitana do Recife (RMR).

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Com ares de lenda folclórica pela demora de chegar ao terminal por causa de fatores como o intenso trânsito na cidade e poucos veículos em circulação na linha, o Rio Doce/Barra de Jangada é esperado diariamente com ansiedade pelos usuários. Para acompanhar esse longo trajeto, o LeiaJá embarcou na viagem de mais de quatro horas, saindo do Terminal Integrado de Rio Doce, localizado em Olinda. Ainda faltavam mais de trinta minutos e passageiros esperavam impacientes em uma fila indiana mal organizada. A maioria dos usuários é de pessoas que trabalham ou estudam em outra cidade e precisam do transporte intermunicipal para o deslocamento diariamente. De acordo com dados da empresa Borborema, responsável por gerir a linha, são mais de 1,8 mil pessoas que utilizam a linha todos os dias.

Gráfico - Linhas mais longas das RMRGráfico - Linhas mais longas das RMR

Por volta das 11h, o motorista subiu no veículo acenou para o cobrador, indicando que iniciariam a viagem em instantes. As pessoas que estavam na fila entraram no coletivo e já foram se acomodando nos acentos disponíveis. Com os pertences em mãos, como celulares, livros e fones de ouvidos, os usurários já davam sinais de que estavam preparados para se distraírem durante o longo trajeto. Nas idas e vindas, sobra tempo para conversar com pessoas desconhecidas, ouvir música, ler um livro e mexer no telefone. Dormir encostado na cadeira ou observar a paisagem pela janela do ônibus também é uma opção.

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Há pouco mais de um mês, a professora Cíntia Ágata, moradora de Rio Doce, passou a pegar a linha porque foi aprovada em um concurso e começou a trabalhar na Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes. Seu turno só tem início à tarde, mas ela tem que sair de casa de manhã, com bastante antecedência por causa do longo trajeto. “Geralmente eu gosto de ir ouvindo música, mas muitas vezes meu celular descarrega. São quase duas horas”, comenta. Ela também diz que quase já terminou de ler um livro no percurso até o seu trabalho. Na volta, no horário de pico, o cenário é pior. “Eu largo 17h30 e chego em casa mais de 20h. Teve um dia que o ônibus quebrou e cheguei mais de 22h”, recorda.

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Poucos usuários da linha seguem o trajeto até Barra de Jangada, geralmente o veículo chega vazio ao Terminal, em Jaboatão dos Guararapes. A maioria dos passageiros que saem de Rio Doce segue até o bairro de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, principalmente para trabalhar no Shopping Recife, um dos maiores centros comerciais da cidade. É o caso do cozinheiro Reinaldo Silva, de 36 anos. Ele mora na 3ª Etapa de Rio Doce e pelo menos seis vezes por semana utiliza a linha para ir ao trabalho no mall. O passageiro tenta amenizar a impaciência com a demora e o trânsito da cidade com boas doses de rock and roll em seu fone ouvido.

“É um ritmo musical que me relaxa e consigo abstrair todo o estresse ao redor. Além de mexer no meu telefone durante o trajeto, também gosto de ir observando as pessoas porque a insegurança é latente na cidade”, lamenta. No retorno a sua casa, o cozinheiro também pode pegar a Linha Rio Doce/Piedade, com trajeto semelhante, mas que possui mais carros e a espera é menos demorada.

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No Rio Doce/Barra de Jangada são seis carros disponíveis para fazer a rota durante os dias úteis da semana. A tarifa é B e custa R$4,40. Ao todo, 24 profissionais, um total de doze duplas de cobradores e motoristas, trabalham na linha. Quem pensa que o roteiro só é cansativo para os usuários do sistema se engana. Motorista do Rio Doce /Barra de Jangada há um ano, Luiz Henrique Dantas ainda está se acostumando com o trajeto longo. O profissional tem que realizar duas viagens e meia por dia, indo e voltando do Terminal de Barra de Jangada.

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“Gosto de trabalhar nessa linha mesmo o percurso sendo longo. Comparando a outras por aí, a rota é boa porque não passamos por ladeiras e nem entramos em comunidades perigosas”, conta. Luiz Henrique lembra que ser motorista de ônibus é um sonho de infância e sempre foi fascinado pelo modal. “Adoro levar as pessoas ao seu destino final e me sinto bem fazendo isso. É uma sensação de satisfação fazer parte do transporte público”, diz.

Quando os semáforos fecham e o trânsito fica lento, o motorista aproveita para olhar os detalhes das paisagens dos pontos por onde passa diariamente. A sensação é de um passeio turístico pelos principais locais das cidades. A linha passa pela Praça do Carmo, em Olinda, pela praia de Boa Viagem e por outras paisagens particulares da Região Metropolitana do Recife. Mas o que mais chama atenção e traz paz ao dia de Luiz Henrique, à frente da direção do Rio Doce/Barra de Jangada, é quando o coletivo percorre a orla de Bairro Novo, na Cidade Alta e ele pode sentir a brisa do mar por alguns minutos.

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O estudante Eduardo Ferreira, de 18 anos, sobe no ônibus em Jardim Atlântico, em Olinda, e desce no bairro do Pina, na Zona Sul do Recife. É 1h10 de viagem, de acordo com ele. Para tornar o trajeto menos cansativo, Ferreira gosta de ir estudando a bíblia e lendo os evangelhos. “Eu não tenho uma religião definida, mas gosto de aprender sobre tudo. Aproveito o tempo também para mexer no meu telefone, responder mensagens de amigos e ouvir música. Presto muita atenção nas outras pessoas do ônibus também. A cidade anda muito insegura”, complementa.

Foto: Arquivo PessoalFoto: Arquivo Pessoal

 

Para encerrar o expediente, o motorista Luiz tem que passar ao menos oito horas à frente do modal. São 160 quilômetros de muitas histórias. Engarrafamentos, buracos na via e passageiros mal educados tiram um pouco da paciência do profissional, mas o otimismo de Luiz prevalece. “Se eu pudesse melhorar o transporte público, eu colocaria mais faixas exclusivas em algumas avenidas. O transporte não é ruim, mas os usuários às vezes o estragam. Alguns passageiros não respeitam as regras e burlam o que já é estabelecido. Eu espero no futuro um transporte melhor com mais organização e mais respeito de ambas as partes”, diz.

Apaixonados pelo balanço dos ônibus: conheça os busólogos

Na contramão das queixas sobre os problemas do transporte público, há quem seja apaixonado pelos coletivos e troque qualquer programa para dar uma voltinha de ônibus. Os busólogos são estudiosos apaixonados por ônibus. Atualmente, não se sabe ao certo a quantidade de busólogos que há no Brasil, mas em uma pesquisa rápida na Internet, é possível achar que a paixão pelos coletivos é mais comum do que se imagina.

Frequentar rodoviárias, garagens de empresas do transporte coletivo, desenhar e fotografar o modal, além de acumular muitas horas dentro dos veículos, muitas vezes lotados. Conhecedores exímios da estrutura dos coletivos, os estudiosos se reúnem em encontros para debater sobre o transporte coletivo, trocar informações sobre os modelos mais atuais e relembrar com nostalgia os mais antigos, dos quais têm mais saudade. Além do fascínio pela pintura, o formato do veículo ou a rota traçada por ele, os busólogos também são especialistas em colecionar memórias afetivas dos modelos mais rebuscados.

Foto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagensFoto: Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Para guardar suas melhores recordações da história do transporte público do Recife, o busólogo Erick Santos, de 37 anos, decidiu colocar no ar o blog “Bus do Vanderbilt”, em dezembro de 2013. A página reúne um verdadeiro acervo de memória dos ônibus, em fotografias, histórias e ilustrações. Apaixonado pelo modal desde criança, Erick sempre teve uma relação muito próxima com os coletivos. “Meu pai também era motorista de ônibus e caminhão. Ele gostava de dirigir e eu herdei isso, apesar dele tentar me afastar desse meio. A paixão sobre o modal é acima de qualquer crítica alheia”, conta o busólogo.

Conheça a paixão de Erick:

 

 

Obras

Grandes obras pela mobilidade da população

Importantes corredores receberam investimento, mas ainda amargam problemas
Por Marília Parente

Presidente Kennedy, Corredor Leste/Oeste e Conde da Boa Vista. Três dos mais importantes projetos de mobilidade urbana na Região Metropolitana do Recife, que têm como denominador comum um intenso debate entre governo, prefeitura, especialistas e população. Alvos de grande investimento público nos últimos anos, os corredores ainda precisam enfrentar desafios históricos, como transporte público superlotado, engarrafamento, comércio ambulante, calçadas maltratadas, saneamento ineficiente e asfalto esburacado.

População aguarda um desfecho para a novela do Corredor Leste-Oeste e para as Avenidas Presidente Kennedy e Conde da Boa Vista. (Chico Peixoto/ LeiaJá Imagens)População aguarda um desfecho para a novela do Corredor Leste-Oeste e para as Avenidas Presidente Kennedy e Conde da Boa Vista. (Chico Peixoto/ LeiaJá Imagens)

Funcionária de uma loja de roupas na Avenida Presidente Kennedy, em OIinda, Fabiana Silva se diz pouco esperançosa quanto a melhorias na via. “Já liguei para a prefeitura várias vezes, até para o gabinete do prefeito. Não precisa nem chover muito para a água invadir os comércios. Não é a toa que aqui nessa mesma calçada várias delas estão fechadas”, lamenta. A queixa de Fabiana é geral. Ao longo da Avenida, uma prática curiosa chama atenção: na tentativa de impedir que a água constantemente empoçada no asfalto invada as lojas, alguns comerciantes estão tentando se proteger com placas metálicas colocadas nas calçadas. “Os carros passam e jogam lama nas mercadorias, nos nossos equipamentos e clientes, então tivemos que impor essa proteção. Mesmo assim, quando os veículos passam muito rápido, a sujeira passa por cima da placa e atinge a gente”, comenta o empresário Leonardo Ramos.

Cansado de esperar por melhorias no asfalto da Presidente Kennedy, Leonardo Ramos protege sua loja da lama e do esgoto como pode (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
Cansado de esperar por melhorias no asfalto da Presidente Kennedy, Leonardo Ramos protege sua loja da lama e do esgoto como pode (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

Para quem está dentro do carro, contudo, a situação não é melhor. Morador da Presidente Kennedy, o analista de sistemas Tiago Fernandes já se habituou ao prejuízo constante causado pela buraqueira do asfalto. “O amortecedor e o sistema de suspensão do veículo vivem quebrando. Outros carros, vez por outra, se chocam às ferragens de divisória da via, quando são trancados pelos ônibus. É comum que os carros saiam da via correta para fugir de buracos e alagamentos”, relata. O usuário de ônibus Lieudo Barbosa, que se locomove com a ajuda de muletas, por sua vez, reclama das calçadas. “A prefeitura deveria instalar câmeras na avenida. Além de esgoto, ainda encontro carros estacionados nas calçadas, sem nenhum tipo de fiscalização”, coloca. Lieudo relata ainda dificuldades na espera transporte público. “As paradas, sobretudo a que fica em frente ao Centro da Moda, são cercadas de água. Vou ter que comprar uma bota, porque tenho medo até pegar doença”, completa.

População critica as condições de drenagem da Avenida Presidente Kennedy, em Olinda (Chico Peixoto/ LeiaJá Imagens)População critica as condições de drenagem da Avenida Presidente Kennedy, em Olinda (Chico Peixoto/ LeiaJá Imagens)

Com 5,03 km de extensão, a Avenida Presidente Kennedy é responsável pelo tráfego de 17.941 veículos por hora. Além disso, 48 linhas de ônibus circulam pela via diariamente, com oito paradas disponíveis na via. De acordo com o professor de engenharia civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Oswaldo Lima Neto, a avenida tem totais condições de atender ao grande fluxo de veículos que recebe. O que explica as principais dificuldades encontradas pelos transeuntes é a má drenagem a que está submetida. “Algumas tubulações que cortam a Avenida nunca foram limpas. Soma-se a isto o fato de que aquela é uma região baixa e, com a menor chuva, a sujeira se mistura à água e enche as canaletas de lama”. Segundo o professor, o excessivo número de buracos no asfalto é outra consequência da ineficiência das tubulações. “Basta que a maré esteja alta para que ela se encha de água e os motoristas deixem de respeitar as faixas de ônibus para fugir dos alagamentos”, diz.

De acordo com a Secretaria de Serviços Públicos de Olinda, só este ano, já foram investidos mais de R$ 200 mil em trabalhos de drenagem, limpeza de galerias e canaletas da Presidente Kennedy. Por meio de nota, a Secretaria comunicou o seguinte: “Os canais da Azeitona e do Lava Tripas, que ficam na localidade, também já passaram por manutenção, facilitando o escoamento das águas pluviais. A Avenida Antônio da Costa Azevedo, em Jardim Brasil II, que faz conexão com a Kennedy também recebe serviços de desobstrução de galerias. Ao mesmo tempo, uma equipe da prefeitura montou um grupo de estudo para elaborar novo projeto para avenida e tem mantido entendimentos com os governos Estadual e Federal para captação de recursos que possibilitarão a realização de intervenções de maior porte ao longo da via”.

Obras na Presidente Kennedy são intensas, mas ainda não há projeto de requalificação integral da avenida (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)
Obras na Presidente Kennedy são intensas, mas ainda não há projeto de requalificação integral da avenida (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

O secretário de serviços públicos de Olinda, Evandro Avellar, admite que as tubulações da Avenida precisam ser trocadas. “Nosso primeiro objetivo é executar serviços de forma contínua, fazendo com que ela continue minimamente funcionando. Temos um cronograma de conclusão do projeto de requalificação total da avenida. Não é uma solução simples, nem barata. É preciso compreender que esse problema já se arrasta há décadas e que não será resolvido num toque de mágica”, acrescenta.

Indagado acerca do grande número de atropelamentos e acidentes da Avenida, o professor põe em questão a velocidade desempenhada pelos carros. “Há um limite de 40 km/h que não está sendo obedecido pelos motoristas. É preciso instalar sensores de velocidade para inibir esta conduta. Ao contrário do que se pensa, não é a disposição das paradas de ônibus que causa esses acidentes”, opina.

Passageiros do BRT desembarcam na Conde da Boa Vista no improviso, em estações provisórias e pelo lado direito do veículo
Passageiros do BRT desembarcam na Conde da Boa Vista no improviso, em estações provisórias e pelo lado direito do veículo

Outra avenida cujo posicionamento dos pontos de ônibus é bastante questionado é a Conde da Boa Vista, área central do Recife. Após passar por obras entre 2007 e 2008, ela agora faz parte do Corredor Leste/Oeste. Para priorizar o transporte coletivo, a gestão do ex-prefeito João Paulo (PT) instalou paradas de ônibus no meio da via, reduzindo espaço para o transporte individual. “Assim como ocorre na Presidente Kennedy, está correto priorizar a maior parte da população, que anda de ônibus. O posicionamento das paradas exclusivas para ônibus deve ficar do lado esquerdo”, fala Lima Neto.

Em 2013, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano prometia uma Conde da Boa Vista exclusiva para o sistema Bus Rapid Transit (BRT). Agora, o ano de 2017 está perto de acabar e as paradas de BRT da Avenida nem sequer foram entregues. No lugar delas, funcionam estações provisórias. “Uso BRT todos os dias e preciso descer na Boa Vista. Essa estação é quente, uma estrutura precária e diferente das demais, que são de vidro”, reclama o autônomo Osias Araújo.

O usuário Osias Araújo considera a estrutura das estações provisórias da Boa Vista desconfortável (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)O usuário Osias Araújo considera a estrutura das estações provisórias da Boa Vista desconfortável (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

O professor Lima Neto também deixa sua crítica. “As estações provisórias na Boa Vista foram colocadas para que as pessoas não precisassem descer apenas no final da via. Porém, nesse trecho o BRT não opera como BRT, mas como ônibus comum, com descida pelo lado direito. O desembarque precisa acontecer do lado esquerdo, com o piso do veículo na mesma altura do da estação, para que o processo ocorra de maneira rápida”, opina Lima Neto.

Criado em 1974 pelo arquiteto e então prefeito de Curitiba Jaime Lerner, o BRT se propõe a proporcionar um transporte público de passageiros mais rápido, confortável, seguro e eficiente, funcionando através de infraestrutura segregada com prioridade de ultrapassagem, além de operação rápida e frequente. Na capital pernambucana, o projeto do BRT está associado à criação do corredor Leste/Oeste, uma promessa para a Copa do Mundo de 2014 que até hoje não se concretizou completamente. Para o professor Lima Neto, o sistema que opera na Região Metropolitana do Recife ainda não pode ser chamado de BRT. “O BRT não pode funcionar da forma como está sendo feito aqui, sua maior característica é a faixa de circulação exclusiva. No Recife, vemos o sistema se misturando ao tráfego comum, perdendo sua característica de velocidade”, explica.

Criado para agilizar o transporte de passageiros, o BRT do Recife ainda não pode ser considerado um BRT, segundo o especialista Oswaldo Lima Neto (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)Criado para agilizar o transporte de passageiros, o BRT do Recife ainda não pode ser considerado um BRT, segundo o especialista Oswaldo Lima Neto (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

Para viabilizar a faixa exclusiva na Conde da Boa Vista, no entanto, seria necessário reduzir a grande quantidade de linhas de ônibus comuns que passam na avenida. “Se o Governo tivesse priorizado as obras do Corredor Leste/Oeste, as novas integrações da Caxangá já estariam prontas e serviriam para racionalizar nosso transporte público. Ao invés de chegarem à Boa Vista através dos ônibus comuns, os passageiros embarcariam no BRT de lá para o centro”, ressalta o Lima Neto.

Obra incompleta

Das 23 estações de BRT previstas para o Corredor Leste/Oeste, funcionam 16, além de outras seis provisórias na Conde da Boa Vista. Segundo a Secretaria das Cidades do Estado de Pernambuco, ainda precisam ser entregues quatro estações em Camaragibe, a Estação Elevado do Bom Pastor e duas estações definitivas na Conde da Boa Vista. Já os Terminais Integrados III e IV Perimetral, cuja entrega já conta três anos de atraso, só tiveram as obras retomadas em junho deste ano. “Em 2014, as obras do Corredor BRT Leste-Oeste foram abandonadas pelo Consórcio Mendes Jr/Servix. Foi necessário realizar levantamento dos remanescentes dessas obras, que estão sendo licitadas ao longo de 2017. Em janeiro, foram retomados os serviços das estações Derby e Benfica, que já foram finalizados e entregues à população. Também foram retomadas as obras do TI da III Perimetral e do TI da IV Perimetral. Outras licitações estão em curso para a retomada de mais obras. No entanto, o corredor está com mais de 80% de conclusão das obras previstas”, justifica o Secretário-executivo de Mobilidade da Secretaria das Cidades, Marcello Amynthias.

Secretário garante que os Terminais III e IV Perimetral estarão finalizados, respectivamente, nos meses de dezembro de 2017 e julho de 2018 (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens) Secretário garante que os Terminais III e IV Perimetral estarão finalizados, respectivamente, nos meses de dezembro de 2017 e julho de 2018 (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

O Secretário garante que os Terminais III e IV Perimetral estarão finalizados, respectivamente, nos meses de dezembro de 2017 e julho de 2018, enquanto a conclusão das obras do Corredor Leste-Oeste está prevista apenas para o ano de 2019. Por meio de nota, a Secretaria das Cidades também informou ainda que “contratou a empresa SN Sinalizadora Nacional e Serviços Ltda. para implantar a sinalização horizontal e vertical do Corredor BRT Leste-Oeste, o que inclui a demarcação da faixa exclusiva para veículos do tipo BRT na avenida Caxangá. A assinatura da ordem de serviço ocorreu no último mês de agosto. A previsão é que os serviços sejam concluídos no próximo mês de novembro”.

Onde já deveriam estar funcionando os TI’s III e IV Perimetral, arrastam-se obras atrasadas desde 2014 (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)Onde já deveriam estar funcionando os TI’s III e IV Perimetral, arrastam-se obras atrasadas desde 2014 (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

Até lá, a auxiliar administrativa Juciana Teixeira, que depende do sistema BRT, terá que esperar ainda mais por um mínimo de conforto no trajeto diário para o trabalho. “Depois das obras, tiraram os demais ônibus, mas não acrescentaram mais BRT’s, que sempre estão muito lotados, independentemente da hora em que embarco. Em alguns horários, é difícil até conseguir entrar no veículo”, comenta. O despachante comercial e usuário do sistema Reinaldo Patrício também se queixa da superlotação e denuncia desorganização nas estações, causadas pela presença de vendedores ambulantes. “De Camaragibe para a Caxangá ficou mais rápido, mas às vezes é uma bagunça enorme, as estações ficam muito desordenadas por causa do comércio ambulante”, completa.

Juciana Teixeira e Reinaldo Patrício reclamam da superlotação dos BRT’S (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)Juciana Teixeira e Reinaldo Patrício reclamam da superlotação dos BRT’S (Chico Peixoto/LeiaJá Imagens)

Para o professor Lima Neto a lotação do BRT está acima do aceitável. “Se for para os passageiros andarem em pé, que seja numa proporção de três pessoas por metro quadrado e não seis, como é no Grande Recife. A resposta seria mais BRT na rua, mas sem faixa exclusiva, o sistema não tem como garantir horário, nem frequência de veículos e, portanto, não tem como reduzir o aperto dentro veículo”, explana.

Infográfico das Integrações incompletas na Avenida CaxangáInfográfico das Integrações incompletas na Avenida Caxangá

 

 

Kombis

Polêmico, transporte via kombis gerou conflitos

Com preços mais baratos que o transporte convencional e sem ordenamento claro, kombeiros circularam na Região Metropolitana do Recife e conquistaram adeptos
Por Eduarda Esteves

Rafael Bandeira/LeiaJáImagensRafael Bandeira/LeiaJáImagens

Pendurado, com parte do corpo praticamente fora do veículo e sempre disposto a deixar vagas livres para os passageiros. Em praticamente todo o trajeto, sentar-se era quase impossível para o cobrador. Ao longo do percurso, a porta abria e fechava constantemente para o embarque e desembarque das pessoas. As aberturas também serviam para os anúncios feitos pelo próprio cobrador das rotas que poderiam interessar a populares que aguardavam nas paradas oficialmente exclusivas aos ônibus, sempre nos principais corredores da Região Metropolitana do Recife (RMR). O veículo ficava completamente cheio.

Essa era a realidade de um cobrador de kombi no início dos anos 1990. Nessa época, em paralelo ao sistema de transporte coletivo convencional que se firmava na Região Metropolitana do Recife, intensificou-se o deslocamento de passageiros por veículos de pequeno porte, principalmente através de kombis. Naquela década, circulavam na RMR cerca de 7 mil veículos; a maior movimentação era na capital pernambucana.

Desembarque de passageiros embaixo do viaduto da BR-101, próximo à Avenida Caxangá, Zona Oeste do Recife. 
(Clélio Santos/Arquivo Pessoal/2003)Desembarque de passageiros embaixo do viaduto da BR-101, próximo à Avenida Caxangá, Zona Oeste do Recife. (Clélio Santos/Arquivo Pessoal/2003)

O transporte público coletivo de passageiros, que se estabeleceu nas cidades brasileiras desde as pequenas locomotivas, sempre coexistiu com o transporte realizado através de veículos de pequeno porte, dito informal ou clandestino. Na década de 1990, especialmente a partir 1995, os clandestinos intensificam-se significativamente, nas grandes e médias cidades brasileiras, por meio de kombis (ou peruas), vans, bestas, motocicletas (moto-táxis) e até mesmo automóveis particulares.

“Aeroporto?”, “Pina?”, “Centro da Cidade?”, “Camaragibe?”. Os jargões utilizados pelos cobradores de kombi eram vários. Para realizar a abordagem dos passageiros, eles desciam do veículo e iam até a parada dos ônibus. “Vai? A gente faz em um preço melhor, mais rápido”, diziam. Eles também não se importavam em ajudar os usuários a levar as compras ao veículo, mesmo que estivessem do outro lado da rua. A regra era simples: o carro só seguia viagem quando estivesse lotado.

Ponto de lotação de kombis na Rua Visconde de Jequitinhonha, próximo ao Shopping Center Recife, na Zona Sul do Recife. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)Ponto de lotação de kombis na Rua Visconde de Jequitinhonha, próximo ao Shopping Center Recife, na Zona Sul do Recife. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)

Na kombi, a capacidade era de até oito passageiros, na parte traseira do veículo, além do cobrador, que viajava em pé. Na parte dianteira, ao lado do motorista, poderiam ir sentados dois passageiros, mas dependendo da demanda, viajavam até três pessoas. Na parte de trás, era comum os kombeiros transportarem cerca de dez a onze pessoas. Em horário de pico, o número crescia e poderia chegar até 15 usuários, além dos operadores do veículo. Apesar do desconforto evidente das kombis, o transporte era viável para muitos cidadãos, na época, porque além do preço mais barato do que o ônibus, por exemplo, apresentava-se mais rápido e havia a possibilidade do público descer em qualquer ponto da cidade, desde que o motorista estivesse na rota.

As kombis, então, passaram a atender uma parcela significativa da população, principalmente nas áreas periféricas, que adotou uma postura positiva no início do que era considerado por eles um transporte alternativo ao convencional. O valor da passagem de uma viagem era estabelecido de acordo com o custo da tarifa do ônibus, sempre prevalecendo um preço mais barato do que a quantia do sistema legalizado. Já no fim dos anos 1990, o valor era de R$ 1,00 contra R$ 1,30 da tarifa do ônibus, correspondente ao anel A na época.

Foto1: Ao fundo, desembarque de passageiros pelas imediações do Aeroporto, em frente à Rua Barão de Souza Leão. Foto2: Vista da parada na entrada da Rua Jack Aires, a partir da Avenida Domingos Ferreira. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)Foto1: Ao fundo, desembarque de passageiros pelas imediações do Aeroporto, em frente à Rua Barão de Souza Leão. Foto2: Vista da parada na entrada da Rua Jack Aires, a partir da Avenida Domingos Ferreira. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)

Além de dinheiro, o pagamento da viagem também podia ser feito com vale-transporte do sistema de ônibus. O bilhete também servia como troco da passagem, caso o usuário assim o desejasse. Alguns kombeiros ainda utilizavam os vales para comprar combustível em postos de gasolina. Quem não tinha o dinheiro completo da passagem podia pedir ao cobrador um desconto para realizar um deslocamento pequeno. Geralmente, se cobrava R$ 0,70 ou R$ 0,50. Às vezes, os cobradores não queriam saber de negociar e se negavam a aceitar o valor mais barato; mandavam a pessoa “pegar um ônibus”.

Com a alta demanda de passageiros, as kombis se tornaram um “negócio” rentável

Se por um lado a população aderiu ao transporte realizado pelas kombis por causa de uma série de fatores como flexibilidade no horário, rapidez, frequência e baixo custo, por outro, o negócio se tornou muito rentável para quem o praticava. Kombeiros, cobradores e até os donos dos veículos alugados viram na ‘kombi’ uma forma de fazer uma boa renda. O dinheiro circulava rapidamente e a demanda de passageiros era alta.

Em 1998, Roberto Dias, aos 25 anos, vendia lanches em uma barraquinha na frente de um ponto onde os kombeiros se reuniam para esperar por passageiros, no bairro de Imbiribeira, na Zona Sul do Recife. Ele relembra que, na época, conseguia se manter com o comércio, mas que a renda era pouca e, por isso, se interessou pelas histórias dos kombeiros. Enquanto lanchavam em sua carrocinha, os motoristas e cobradores falavam sobre a rotina, a falta de fiscalização e de como era fácil ganhar dinheiro transportando passageiros no Recife.

Não demorou muito e no mesmo ano Roberto decidiu investir no negócio, mesmo sabendo que para o poder público, o transporte alternativo por kombis era considerado clandestino e ilegal. Roberto vendeu seu carro antigo e comprou uma primeira kombi, de um modelo anterior a 1981, mas que dentro dos parâmetros da época, conseguia transportar os passageiros. “Eu já era habilitado e sabia que as pessoas simplesmente só queriam se deslocar, sendo por um carro velho ou novo”, diz. Roberto fazia a linha Aeroporto/Cais de Santa Rita e por anos no ramo conseguiu juntar um bom dinheiro com o trabalho de motorista.

Roberto Dias viu de perto a realidade do transporte por kombis. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)Roberto Dias viu de perto a realidade do transporte por kombis. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Para ele, a sensação era a de viver em um filme de aventura, fugindo da fiscalização e afrontando as autoridades locais. O ex-kombeiro não tinha uma rotina estabelecida, montava os seus próprios horários e às vezes fazia os seus turnos de acordo com a demanda de passageiros. “A gente não seguia uma regra, fazíamos a nossa escala e o principal interesse era o financeiro”.

Em 1999, dados da época revelam que eram quase 8 mil kombis rodando, principalmente, com foco no Recife por causa do centro da cidade, destino da maioria dos passageiros que viviam fora da capital. O cenário do tráfego no Grande Recife era de desordem. A circulação indiscriminada desse meio de transporte alternativo gerou uma série de problemas para o espaço urbano recifense. As kombis circulavam livremente, sem o aparato de uma gestão pública, concorriam com os ônibus e tornavam o tráfego caótico porque paravam em qualquer local da pista ou para fazer ponto de embarque ou de desembarque.

Os jornais da época estampavam manchetes com acidentes por causa da alta velocidade, riscos de atropelamentos nas vias e o surgimento de uma “máfia das kombis”, no início dos anos 2000, na capital pernambucana. O ex-kombeiro Roberto relembra que surgiram milícias na época que controlavam todo o transporte alternativo. “Não se podia trabalhar em qualquer via porque se o ‘dono’ dela soubesse, outros motoristas eram ameaçados de morte. O dinheiro era muito rotativo e esse poder de alguns kombeiros era assustador”, recorda Roberto.

De acordo com a dissertação de mestrado (2006) da geógrafa Diana Cecília de Souza, um dos grandes problemas na época em que as kombis operavam no Recife era que muitos motoristas alternativos não encaravam a atividade, no caso do transporte de passageiros, como um serviço público. “A noção de ‘propriedade privada’ do veículo ultrapassava o princípio da obrigação de se prestar um serviço de qualidade à sociedade. A impressão que se tinha era a de que muitos operadores atuavam como se estivessem prestando ‘um favor’ à população, a qual, por vezes, era destratada caso não comungasse de algumas práticas para a realização da atividade”.

Do auge ao fim: a extinção das Kombis no Recife

Com o crescimento massivo das frotas de kombis praticando o transporte da população em pouco mais de dez anos, os empresários do ramo deixaram de investir nos seus sistemas intramunicipais de transporte. Em contrapartida, também pressionaram com mais firmeza o poder público para que a prática fosse coibida e extinta. Por outro lado, cooperativas e sindicatos dos kombeiros se reuniram e pediam a legalização do sistema por parte da administração pública. Na época, a EMTU, empresa pública estadual responsável pela gestão do serviço de transporte metropolitano na RMR, passava por dificuldades de gestão e não conseguia solucionar o problema.

Em 2003, por meio de uma ação conjunta entre Governo do Estado e Prefeitura de Recife, o poder público enfrentou a problemática. Jarbas Vasconcelos (PMDB) e João Paulo (PT) se uniram para por fim no transporte clandestino através de uma operação de “cerco” nos principais pontos da cidade. O intuito era eliminar o transporte clandestino na capital pernambucana e regulamentar o transporte alternativo. Na época, Dilson Peixoto estava à frente da Secretaria de Serviços Públicos, que, até a reestruturação da CTTU, era responsável pela limpeza e manutenção da cidade.

Foto1: Concentração de kombis na Rua Emiliano Braga, na Zona Oeste do Recife. Ponto de lotação dos veículos próximo à Avenida Caxangá.
Foto2: Terminal de ônibus da linha Shopping/CDU, na Rua Emiliano Braga, depois que as kombis deixaram de circular na localidade. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)Foto1: Concentração de kombis na Rua Emiliano Braga, na Zona Oeste do Recife. Ponto de lotação dos veículos próximo à Avenida Caxangá. Foto2: Terminal de ônibus da linha Shopping/CDU, na Rua Emiliano Braga, depois que as kombis deixaram de circular na localidade. (Diana Souza/Arquivo Pessoal/2003)

De acordo com Dilson Peixoto, considerado o principal responsável pela saída das kombis do Recife, o fenômeno era clandestino e não havia gestão pública desse modelo, portanto não tinha como ser legalizado. “As linhas eram criadas pelos próprios operadores e eles decidiam os horários que rodavam a os roteiros que seguiam. Isso estava corroendo o sistema de transporte. Em 2001, as estatísticas mostravam que essas kombis aumentavam os problemas no trânsito e havia uma necessidade de regulamentar o serviço. Na época, a gente precisava garantir que os ônibus suprissem os vácuos deixados pelas kombis”, explica.

Legenda: Folheto da EMTU contra o transporte realizado pelas kombisLegenda: Folheto da EMTU contra o transporte realizado pelas kombis

O poder público deu a ordem e o cerco estava montado em pontos estratégicos. Agentes de trânsito e o Batalhão de Policiamento de Trânsito (BPTran) trabalhavam diariamente para impedir a entrada das kombis na área central da capital pernambucana. Como já era esperado, a revolta e a insatisfação dos kombeiros foram grandes. Eles alegavam falta de diálogo das gestões municipal e estadual e diziam que a retirada do serviço de transporte não poderia ser feita de um dia para o outro.

Em junho de 2003, motoristas de vans e kombis do transporte irregular de passageiros entraram em confronto com policiais militares em um protesto realizado na Avenida Mascarenhas de Moraes, uma das principais da cidade. Eles eram contra o projeto que regulamentava a atividade, aprovado pelo Conselho Municipal de Transporte e Trânsito. De acordo com a gestão, o número de veículos circulando cairia de 1.200 para 252.

Tumultos, outros protestos, kombeiros detidos e insatisfação. Em julho, o jornal Estadão noticiava outra manifestação. Bloqueios fixos foram instalados nos limites do Recife com os municípios de Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Camaragibe. Inconformados com a lei que regulamenta a circulação de kombis na capital pernambucana, cerca de mil perueiros interditaram duas pontes no centro do Recife para impedir o tráfego e, à tarde, entraram em confronto com a Polícia Militar.

Nesse cenário de extinção do serviço de transporte irregular no Recife, o motorista Roberto Dias vendeu sua kombi, na época, e foi aprovado na licitação para se tornar um permissionário do ônibus complementar. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)Nesse cenário de extinção do serviço de transporte irregular no Recife, o motorista Roberto Dias vendeu sua kombi, na época, e foi aprovado na licitação para se tornar um permissionário do ônibus complementar. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

“Os perueiros não aceitam a proibição de circular no centro expandido do Recife, que começou a vigorar ontem. Quem desobedece é multado em R$ 2 mil e tem o carro apreendido. Os sindicatos da categoria - Sindkombi e SindRecife - querem um prazo de seis meses para a lei começar a vigorar, reivindicação que foi negada pela prefeitura do Recife e Governo do Estado. O secretário municipal de Serviços Públicos, Dílson Peixoto, garantiu que não haverá recuo”, diz um trecho da reportagem publicada pelo periódico.

Com o serviço clandestino praticamente encerrado na capital pernambucana, a Prefeitura do Recife criou o Sistema de Transporte Complementar de Passageiros (STCP), em novembro de 2003. O objetivo era atender a população que utilizava as kombis e aumentar a segurança e mobilidade entre os bairros da cidade e em áreas de difícil acesso. De acordo com a PCR, o sistema complementar, feito através de vans e micro-ônibus, absorveu parte das pessoas que faziam transporte ‘clandestino’, enquanto as empresas de ônibus da Região Metropolitana abriram mais de 700 vagas de emprego. Em 2004, a segunda licitação do STCP aprovou mais 165 permissionários, concluindo o projeto básico do sistema.

Berço do transporte alternativo do Grande Recife, Paulista manteve as kombis

Em 2017, após 14 anos da extinção da circulação dos kombeiros na capital pernambucana, algumas cidades da Região Metropolitana do Recife ainda sustentam o formato de transporte alternativo pelas kombis, de forma legalizada. Ipojuca, Igarassu, Itamaracá, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, por exemplo, regulamentaram as kombis. Atualmente, o serviço tornou-se parte da realidade do transporte público dessas regiões, localizadas principalmente no eixo norte do Grande Recife. Já outras cidades, como Olinda e Camaragibe, seguiram o exemplo do Recife e após alguns anos também optaram por substituir as kombis por ônibus complementares.

Rafael Bandeira/LeiaJáImagensRafael Bandeira/LeiaJáImagens

Com mais de 300 mil habitantes, o município de Paulista está localizado ao norte da RMR e é um exemplo de onde as kombis foram regulamentadas pela gestão municipal e tornaram-se parte da cultura local. Lá, não se pensa mobilidade urbana sem contar com o modal alternativo. Apesar de a cidade ter o Terminal Integrado Pelópidas da Silveira, o maior de Pernambuco, com mais de 20 opções de linhas de ônibus para diferentes bairros de Paulista, como também para outros terminais integrados, o município não oferece linhas intramunicipais. Para a população se locomover de um bairro para o outro dentro da cidade, a alternativa é utilizar o serviço das kombis.

Os kombeiros estão na cidade desde a década de 1970, quando substituíram o transporte alternativo antes realizado pelo veículo Rural, da Ford. Desde então, as kombis são parte da realidade dos moradores de Paulista. O município regulamentou o transporte nos termos da Lei Municipal nº 3.680 /2002, normatizando linhas, itinerários, tempo de serviço e quantitativo de veículos de acordo com a demanda.

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De acordo com Alessandro Rodrigues, diretor de Transportes da Secretaria de Mobilidade e Administração das Regionais do Paulista, são 420 permissões de kombis precárias, ou seja, não são licitadas, mas concedidas por prefeitos que passaram pela gestão da cidade. Ao todo, existem 15 linhas que atendem o município. A maioria delas tem o caráter radial e sai do centro para os bairros mais periféricos. O serviço tem início por volta das 5h30 e se encerra às 23h. A passagem varia entre R$ 2 e R$ 3, dependendo do trajeto realizado pelo passageiro.

Em Paulista, o centro da cidade funciona como uma espécie de “terminal de integração” e os veículos aguardam por cerca de cinco minutos até que os passageiros subam na kombi, que fica estacionada em frente à Prefeitura da cidade. Os pontos de parada são escolhidos pelos passageiros, mas de acordo com a Prefeitura de Paulista existem locais onde é proibido parar o veículo. “Se a gente não fiscalizar, eles querem parar em todo lugar e isso pode interferir gravemente no tráfego da cidade”, afirma Alessandro.

Movimentação de kombis na cidade de Paulista. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)Movimentação de kombis na cidade de Paulista. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

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Pelos bairros de Paulista, o kombeiro Raiony já contabiliza 20 anos de profissão

Aos dez anos, Raiony Santana já trabalhava como cobrador na kombi do seu tio, que circulava em Paulista. Ele estudava de manhã e à tarde rodava pela cidade para juntar um dinheiro e ajudar na renda familiar. Aos 18, Raiony tirou a sua Carteira Nacional de Habilitação e passou a dirigir a kombi. Anos depois, conseguiu comprar o próprio veículo e hoje é permissionário e motorista da linha Paulista/Maria Farinha. Conheça a história de Raiony:

 

 

Trilhos

Nos trilhos da memória: da idade dos trens ao metrô do Recife

Cidadãos que viveram a saudosa época dos trens recordam estações e trajetos. Especialistas ainda debatem maneiras de melhorar o atual serviço sobre trilhos
Por Marília Parente

Aos 82 anos de idade, o Comandante Mac não desconhece o passado. Diante das ruínas da antiga Estação da Encruzilhada, Zona Norte do Recife, menino, comemora o sucesso de sua travessura: viu o trem 214 chegar à plataforma, deu a volta por detrás dos vagões driblando a vigília dos funcionários e entrou na cabine de comando do veículo. “Deixa ele aí, Manel, deixa ele aí. É filho do homem”, intercedeu um operador simpático quando o colega tentou expulsar o intruso. “Foi a primeira vez que conduzi um trem”, sorri o velho, ao descrever com detalhes o passeio pelos trilhos da Estrada de Ferro Recife-Limoeiro, também conhecida como Linha Norte. A ferrovia esteve em operação entre as décadas de 1880 e 1950, em percurso que corresponde atualmente à Avenida Norte.

Comandante mantém vivas as lembranças da Estação do Brum, que deu lugar ao prédio do Memorial da Justiça do TJPE. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Comandante mantém vivas as lembranças da Estação do Brum, que deu lugar ao prédio do Memorial da Justiça do TJPE. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

As memórias do Comandante Mac, nascido João Carlos de Mendonça Vasconcelos Filho, revelam parte da história da evolução do transporte público sobre trilhos no Recife e cidades vizinhas. Cada palavra de Mac, ao relatar sua experiência marcante com trens, reflete a paixão do recifense pelo modal.

Filho de João Carlos Vasconcelos, um dos diretores da Great Western of Brazil Railway- companhia inglesa que obteve a concessão para construir a Estrada de Ferro Recife-Limoeiro e para administrar as demais vias férreas de Pernambuco até a década de 1950-, o Comandante caiu nas graças de um dos maquinistas da empresa. “O nome dele era Zé Estevão, meu pai ferroviário. Por natureza, gostava de ensinar, foi ele que me apresentou os primeiros comandos do trem. Sabia que meu pai trabalhava para a companhia e começou a me deixar guiar”, recorda. Morador do bairro da Encruzilhada, o garoto reconhecia o apito sincopado singular do trem do maquinista. “Eu corria aos gritos, ‘Zé Estevão, Zé Estevão!’, para encontrá-lo. Então eu entrava na cabine, me acomodava em seu assento de cócoras, para poder enxergar a via, e, como eu não alcançava a corda do apito, ele passava um barbante por cima do fio e amarrava no meu dedo. Era uma emoção enorme puxar esse cordão”, conta.

Registro da Ponte do Limoeiro, pela qual passavam os trens da Estrada de Ferro Recife-Limoeiro. (Galeria Elegante/ Acervo da Fundação Joaquim Nabuco)Registro da Ponte do Limoeiro, pela qual passavam os trens da Estrada de Ferro Recife-Limoeiro. (Galeria Elegante/ Acervo da Fundação Joaquim Nabuco)

Construída para facilitar o tráfego de pessoas e cargas entre a capital e a Zona da Mata de Pernambuco, a Estrada de Ferro Recife-Limoeiro, de acordo com boletim da Fundação Joaquim Nabuco, entre os anos de 1882 e 1883, chegou a transportar 2.061 passageiros de primeira classe e 33.377 de segunda. Em 1884 e 1885, com o início do funcionamento dos carros de terceira classe, serviu mais de 60 mil pessoas, sendo, destes, apenas 4% viajantes da classe principal. Apenas em 1930, deixou de transportar pessoas. “A Recife-Limoeiro foi desativada para transporte de passageiros, que começou a ser uma demanda exclusiva da Estação Central – assim como a plataforma da Encruzilhada, outro ponto de trajeto ferroviário da capital pernambucana - ”, explica o Coordenador do Educativo do Museu do Trem, André Cardoso. O Comandante Mac, então, acostumou-se a cruzar a Avenida Norte com toda sorte de mercadorias. “Os vagões iam para o interior com artefatos como querosene e gasolina. No sentido oposto, eram sempre cheios de açúcar, algodão e gado”, comenta.

Edificação do atual Memorial da Justiça ainda conserva trilhos da Estrada de Ferro Recife-Limoeiro (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens) Edificação do atual Memorial da Justiça ainda conserva trilhos da Estrada de Ferro Recife-Limoeiro (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Do Brum para a Encruzilhada, levava cerca de 40 minutos, a 30 km/h. A estação predileta do Comandante, contudo, era outra. “Eu fui maior moleque de pátio de estação da cidade. Molecava pela Estação Arraial (Casa Amarela), porque era perto da casa da minha avó, que morava no cruzamento da Avenida Norte com a Rua Padre Lemos e me permitia ficar lá, feliz da vida”, relata. O restante do trajeto da ferrovia incluía ainda as estações Macacos (Guabiraba) e a Estação de Camaragibe. “A avenida (Norte) era completamente diferente. Tinha uma paisagem rural, com mocambos e casas modestas, em cima de terra, chão batido. As locomotivas passavam por um nível mais alto do que o resto do terreno, não tinha prédios, nem calçamento como hoje”, recorda Mac.

O Comandante recebeu a alcunha de “Mac” quando começou a servir como piloto aviões, já na fase adulta. “É o maquinista da Encruzilhada”, caçoavam os colegas. O sonho de atuar profissionalmente como condutor de trens, no entanto, nunca se realizou. “Meu pai previu o fim das ferrovias e me desestimulou a ser maquinista. Até me incentivou a ser engenheiro mecânico, mas eu não queria. Apesar disso, essa não é uma frustração completa, porque a carreira na aviação me encantou muito”, justifica.

Na primeira foto, o início das obras de pavimentação da Avenida Norte. Na segunda, a avenida já pavimentada. (Acervo do Museu da Cidade do Recife.)Na primeira foto , o início das obras de pavimentação da Avenida Norte. Na segunda, a avenida já pavimentada. (Acervo do Museu da Cidade do Recife.)

Não demorou para que a linha Recife-Limoeiro fosse desativada de vez. “Na década de 1950, a construção da Avenida Norte foi responsável pelo encerramento do tráfego, remoção dos trilhos e construção da avenida. Para o governo, já não havia necessidade de utilizar essa ferrovia para o transporte de cargas. Atualmente, se essas ainda existissem seria possível que voltassem a ser utilizadas para o transporte de passageiros”, comenta André Cardoso.

Cenário de Abandono

Apesar de conservar o padrão original da Great Western e fazer parte da história do estado, Estação Camaragibe está se deteriorando (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Das estações por que Mac circulou na infância, três seguem de pé. A Estação do Brum abriga agora o Memorial da Justiça de Pernambuco e está em processo de tombamento pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). As Estações Macacos e Camaragibe, no entanto, estão cercadas por mato e tiveram suas estruturas originais bastante castigadas. “Vi isso aqui funcionando, tudo bonito e organizado. É uma tristeza um patrimônio histórico desses ficar abandonado, virar ponto de drogas e prostituição. Tem gente até criando cavalo aí dentro de um espaço que poderia ser aproveitado como um posto policial, uma escola, algo produtivo para o município”, lamenta o vidraceiro Ailton José de Lima, que mora em frente à edificação da Estação Camaragibe há 45 anos. As estações da Encruzilhada e do Arraial não tiveram um fim menos melancólico. Ambas foram demolidas, dando lugar a outras edificações na Avenida Norte.

Demais linhas: a gestação do Metrô do Recife

Foto1: Margem da Estrada de Ferro Recife-São Francisco. Fotografia feita no Recife, em 1905. Foto2: Estrada de Ferro Recife-São Francisco. Fotografia feita no Recife, em 1905 (Acervo Fundação Joaquim Nabuco)Foto1: Margem da Estrada de Ferro Recife-São Francisco. Fotografia feita no Recife, em 1905.
Foto2: Estrada de Ferro Recife-São Francisco. Fotografia feita no Recife, em 1905 (Acervo Fundação Joaquim Nabuco)

Junto à Estrada de Ferro Recife-Limoeiro, outras duas linhas são consideradas linhas-tronco da Região Metropolitana do Recife, isto é, fundamentais na constituição da malha viária local. A primeira delas é a Linha Centro, que foi criada inicialmente para ligar Recife a Salgueiro e atingiu 609 km de extensão. A outra, a Linha Sul, com 225 km de trilhos, cruza Pernambuco até findar na divisa com Alagoas. Apesar de atualmente estarem inativas, as Linhas Norte, Sul e Centro serviram de orientação para o atual traçado do itinerário do metrô.

Primeiro trem de Pernambuco, partindo, no dia 8 de Fevereiro de 1858, com destino à Vila do Cabo. A imagem está no acervo do Museu do Trem. (Acervo do Museu do Trem )
Primeiro trem de Pernambuco, partindo, no dia 8 de Fevereiro de 1858, com destino à Vila do Cabo. A imagem está no acervo do Museu do Trem. (Acervo do Museu do Trem )

A mais antiga ferrovia de Pernambuco e a segunda do Brasil, a Estrada de Ferro Recife-São Francisco, aberta em 1858, seria a pedra fundamental da constituição da Linha Sul. No mesmo ano, para começar a operacionalizar a linha, foi construída, no Recife, a Estação das Cinco Pontas, de onde partiu o primeiro trem de passageiros do Estado, rumo à Vila do Cabo com 400 pessoas à bordo. Embora nunca tenha atingido seu objetivo de chegar ao “Velho Chico”, a Recife-São Francisco teve seu trajeto prolongado até Garanhuns, no Agreste pernambucano, a partir de onde foi conectada à cidade alagoana de Imperatriz (atual União dos Palmares), através da já existente Estrada de Ferro Sul de Pernambuco. De lá, foi novamente integrada a outra linha férrea, desta vez, a Estrada de Ferro Central de Alagoas, estendendo-se até Maceió, Alagoas. “As três foram unificadas quando a Great Western, em 1901 ganhou a concessão da Recife-São Francisco e da Sul de Pernambuco, e em 1903, tornou-se também responsável pela Central de Alagoas. É nesse período que a companhia inglesa cria a chamada Linha Sul”, comenta André Cardoso.

Estação Central do Recife. Crédito: Alexandre Berzin/Acervo do Museu da Cidade do Recife Estação Central do Recife. Crédito: Alexandre Berzin/Acervo do Museu da Cidade do Recife

Nova concessionária de todas as ferrovias dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, a Great Western, no início do século XX, também conectou as antigas Estradas de Ferro Recife-Limoeiro e Recife-Salgueiro a linhas férreas de outros estados, passando as duas a compor, respectivamente, as Linhas Norte e Centro. “No ano de 1950, no entanto, em consequência dos prejuízos causados pelas duas grandes guerras mundiais e da expansão da indústria automobilística, a companhia declara falência e entrega seu patrimônio ferroviário ao Estado, que passa a administrar as linhas através da Rede Ferroviária do Nordeste (RFN)”, explica Cardoso. Em 1957, durante o governo de Juscelino Kubitschek, a RFN passa a ser uma subsidiária da recém-criada Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), responsável por administrar trens urbanos e interurbanos em todo o país.

Foto1: Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Rua do Gasômetro, no Recife, em 1905. <br>Foto2: Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Rua Imperial, São José, Recife, 1905.
(Crédito: Benício Whatley Dias/ Acervo Fundação Joaquim Nabuco)Foto1: Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Rua do Gasômetro, no Recife, em 1905.
Foto2: Estrada de Ferro Central de Pernambuco. Rua Imperial, São José, Recife, 1905. (Crédito: Benício Whatley Dias/ Acervo Fundação Joaquim Nabuco)

Consolidada desde o início do século XX, a demanda de passageiros que precisava se deslocar diariamente entre Recife e cidades vizinhas, como Jaboatão dos Guararapes e Camaragibe, era atendida pelas Linhas Sul e Centro, nas quais eram conciliados trens de longo e curto percurso. “Era o embrião do metrô. Em 1984, é fundada a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), estatal que assume a demanda do transporte de passageiros na Região Metropolitana do Recife, enquanto a RFFSA passa a administrar apenas o transporte de cargas e de longo percurso”, comenta Cardoso.

Assim, a demanda crescente de transporte de pessoas culmina na criação do Metrô do Recife, que aproveitou os terrenos e a orientação das Linhas Centro e Sul. “Recife-Werneck, o primeiro trecho inaugurado pelo metrô, no ano de 1985, por exemplo, já existia. Apesar disso, toda a estrutura precisou ser reconstruída, em um processo que incluiu inclusive a instalação de novos trilhos”, reforça Cardoso.

Seis velhos ferroviários se encontram no Museu do Trem

Da esquerda para a direita: Ivanildo, Severino, Henrique, Augusto, Enésio e João diante da velha locomotiva English Eletric (Crédito: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Da esquerda para a direita: Ivanildo, Severino, Henrique, Augusto, Enésio e João diante da velha locomotiva English Eletric (Crédito: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

O passado existe? Juntos, João, Augusto, Severino, Enésio, Ivanildo e Henrique somam mais de 400 anos de vida e infinitas histórias para contar. Os ferroviários estão novamente reunidos no antigo pátio da Estação Central do Recife, hoje correspondente à propriedade do Museu do Trem. Ignoram as instruções do museu e no primeiro vacilo do paciente guia de visitas, triscam nos objetos do acervo e aqueles já não são mais objetos do acervo. São suas locomotivas, mesinhas, telégrafos e fotografias. Lembranças de um tempo de maquinistas, foguistas, guarda-freios, telegrafistas, dentre outras profissões que deixaram de existir com a época dos trens em Pernambuco.

“O museu humano encontra o museu das coisas”, caçoa Seu João José dos Santos, de 72 anos. Aposentado, João foi funcionário da RFFSA e da Rede Ferroviária do Nordeste, tendo começado a carreira como auxiliar do chefe da estação, passando pelo cargo de telegrafista, até tornar-se ele próprio chefe de estação. Antigo funcionário da Linha Centro, trabalhou em estações de cidades do interior do Estado. “A gente passava anos em cada estação, quando aparecia uma melhor, pedíamos a transferência. Eu já trabalhei em Serra Talhada e na Estação de São Caetano da Raposa, perto de Caruaru. Depois vim para o Recife”, comenta. Na capital, Seu João logo conquistou a posição de chefe da Estação Coqueiral, nos primórdios no metrô do Recife. “Ele se comunicava de lá comigo, eu trabalhava em Werneck. Através do telégrafo, pedia a autorização para que eu liberasse os trens”, conta o ex-colega e telegrafista Augusto Ferreira.

Seu João trabalhou como Chefe de Estação na antiga Linha Centro, funcionário da Rede Ferroviária do Nordeste e da RFFSA (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Seu João trabalhou como Chefe de Estação na antiga Linha Centro, funcionário da Rede Ferroviária do Nordeste e da RFFSA (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Capaz de enviar mensagens para destinatários distantes, o telégrafo funcionava a partir da transmissão de mensagens por código morse, digitados por um operador e recebidos por outro em uma bobina impressora de papel. “Quando saia ponto-linha era um A. Linha-três pontos era B. Linha-ponto é C”, explica Augusto, que ainda se recorda dos códigos correspondentes a todas as estações pernambucanas. Os outros colegas não esqueceram das situações inusitadas geradas pela utilização incorreta do aparelho. “Rapaz, tinha um engenheiro que a turma chamava de satanás. Aí o telegrafista passou uma mensagem para o outro com essa piada. O povo descobriu e foi terrível para ele”, brinca o ex-ajudante de caldeiraria e maquinista Ivanildo de Souza.

Seu Ivanildo integrou a primeira turma de auxiliares do estado com direito a FGTS. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Seu Ivanildo integrou a primeira turma de auxiliares do estado com direito a FGTS. (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Ivanildo relata que começou a carreira consertando trens de todo o Estado. “Eu trabalhava na caldeiraria da oficina de Jaboatão, minha função era recuperar vagões antigos e comprometidos em acidentes. Quando abriu concurso para auxiliar de maquinista, eu fiz, porque gostava de viajar. Minha turma foi a primeira de auxiliares com direito a FGTS”, comenta. Assim como Henrique da Silva e Enésio Ferreira, Ivanildo foi um dos maquinistas que pilotou a locomotiva English Eletric, exposta no Museu do Trem, pelas ferrovias do Estado. O modelo surgiu para substituir os antigos trens a vapor e foi um dos primeiros a diesel a operar em Pernambuco. “Essa locomotiva tem dois comandos. Então acontecia o seguinte: ao contrário da americana, nela o maquinista podia trabalhar do lado esquerdo e do lado direito. Ela chegou a fazer o transporte de passageiros de Jaboatão para o subúrbio”, explica Ivanildo.

Um das primeiras atribuições de Ivanildo na oficina foi a de retirar os passeios no teto dos vagões, graças à extinção da classe de guarda-freios, responsáveis por complementar manualmente o arriscado sistema de freios a vácuo. “O guarda-freios, quando os freios da máquina não suportavam o peso da carga, tinha que andar por cima do trem em movimento para frear um por um manualmente, girando um volante. Se o trem disparasse numa descida, virava e morria todo mundo”, relata Severino da Silva, de 81 anos, um dos poucos guarda-freios de sua geração que sobreviveu.

Severino da Silva foi guarda-freios e maquinista, tendo conduzido pelo interior do estado uma locomotiva Garral idêntica à que está exposta no Museu do Trem (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Severino da Silva foi guarda-freios e maquinista, tendo conduzido pelo interior do estado uma locomotiva Garral idêntica à que está exposta no Museu do Trem (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Severino conta que também era sua função posicionar os vagões mais pesados no início da fileira, para melhorar a aderência da composição. Por vezes, as perigosas cargas transportadas incluíam vaselina e álcool. Também era comum transportar cana de açúcar da Zona da Mata para a capital. “A gente levava muita carga. Uma vez em Arcoverde, eu e outro colega estávamos descendo um trem de gado com 18 vagões em Arcoverde. Descemos muito rápido a ladeira de Mimoso, uma das mais perigosas, ele acabou morrendo. Eu consegui saltar do trem a tempo”, lamenta. Depois de anos trabalhando como guarda-freios foi promovido a auxiliar e posteriormente a maquinista, conduzindo uma Locomotiva Garral, que foi adquirida para fazer transporte de cargas, especialmente de açúcar.

Da época em que pilotou a English Eletric, o maquinista Henrique da Silva guardou a saudade dos colegas de profissão. “A irmandade daquela turma era demais. Na estrada, éramos a família uns dos outros. Fiz até uma poesia sobre a saudade, chamada ‘A visita que deixou saudade’. É como se a saudade fosse uma pessoa que veio lhe visitar. Quando ela foi embora, fica a saudade da saudade. Posso recitar?”:

Saudade veio outra vez me visitar,
Passamos um dia tão marcante
Que regozijava me relembrando
Momentos felizes juntos
À noite ela resolveu dormir
O sono tambem me dominou
Sem que eu pudesse reagir

Pela manhã quando acordei
ela não estava
Desapareci, fui embora
sem falar comigo
E nem repetiu a palavra adeus
Oh, que pena, é triste, mas é verdade
Me deixou grande saudade.

Ao lado de Henrique, Enésio Ferreira Borges, de 83 anos, se recorda das viagens com a velha locomotiva inglesa. Dos três maquinistas, é o único que percorreu a Linha Centro, rumo a Salgueiro, a bordo do veículo, que só depois passou a fazer o transporte de passageiros entre o Recife e cidades vizinhas. Em outras locomotivas, também chegou a percorrer a Linha Sul até a cidade de Maceió, Alagoas, diversas vezes. Diferentemente de Henrique, contudo, não ingressou na profissão de maquinista por meio de concurso. “Ah, minha filha, eu comecei de baixo. Eu já estava com 40 anos quando virei abastecedor de locomotiva. Colocava a carga nos vagões. Quando teve concurso para foguista, resolvi tentar. Como foguista era o seguinte: eu chegava meia hora antes do maquinista e olhava máquina todinha, se estava tudo certo. Viajava do lado esquerdo, para olhar se o trem estava descarrilhado. Se o trem estivesse descarrilhado de noite, as rodas batiam nas pedras e saia fogo. Eu via e ouvia. De dia, percebia pela poeira”, relata.

Ex-foguista e maquinista, Seu Enésio conduziu a Locomotiva English Eletric pela antiga Linha Centro, rumo a Salgueiro (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Ex-foguista e maquinista, Seu Enésio conduziu a Locomotiva English Eletric pela antiga Linha Centro, rumo a Salgueiro (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

E assim Seu Enésio varava noites ao lado de maquinistas, padres, mocinhas e moleques, fazendo morada no que era passagem para toda sorte de gente. O homenzinho chora, sorri e suspira. “A gente se conformava, porque tudo que procurava tinha. Até médico viajava no trem. Em toda cidade que chego, eu tenho amigos”. O velho deixou a estrada, viúvo da primeira esposa e da Linha Sul. No transporte de passageiros, encontrou uma nova casa. Faltava uma nova mulher. “O que mais me deixou uma lembrança na vida foi que eu passava ali em Werneck, tinha um sinal e algumas menininhas, tudo bonitinhas, que sempre acenavam da janela: ‘maquinista, maquinista!’”, recorda. Gentil, Enésio sempre bracejava de volta. Filha de um conhecido funcionário, já falecido, da estação Werneck, conhecido como Zé Grande, uma das meninas resolveu visitar o maquinista, anos depois. “A esposa de Zé Grande foi na minha casa com a filha. Eu a conheci nesse dia e disse a ela: ‘olhe, é o seguinte: eu não estou interessado em amizade, o que eu quero de você é que me considere e respeite. Era minha esposa, Sônia”, sorri.

O barateamento da produção do ferro que marcou o século XIX trouxe uma grande novidade para a arquitetura da época: o emprego do metal em larga escala. No Recife, o Mercado de São José, inaugurado em 1875, a Faculdade de Direito do Recife, do ano de 1912, e a Estação Central, de 1888, são aplicações emblemáticas do material no período. Esta última foi bastante criticada pela ampla utilização do ferro em sua estrutura, elemento, até então, pouco conhecido pelos recifenses. Além de marco arquitetônico, a edificação tornou-se um símbolo da interiorização das ferrovias em Pernambuco, tendo sido construída pela Great Western, à época, concessionária da Estrada de Ferro Central de Pernambuco (Recife-Salgueiro).

“A ampla utilização do ferro no período está ligada à Abertura dos Portos, tratado comercial que teve como maior beneficiário a Inglaterra, que pagava taxas alfandegárias menores do que outros países e passou a exportar o metal em grande quantidade. Por isso, grande parte do metal que chegou ao Brasil no Século XIX e no começo do século XX tinha origem britânica e também serviu de matéria-prima para trilhos e trens construídos no Recife”, diz André Cardoso, coordenador educativo do Museu do Trem.

Sistema Metrorec: atualidade e desafios

Metrorec atende a uma demanda de 400 mil passageiros/dia, entre a capital e as cidades de Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho (Rafael Bandeira/ LeiaJá Imagens)

De acordo com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), o Sistema de Trens Urbanos do Recife é responsável pelo transporte de uma média de 400 mil pessoas por dia, entre a capital e as cidades de Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe e Cabo de Santo Agostinho, contando com um total de 37 estações, distribuídas em uma malha viária de 71 km de extensão. Apesar de ser produto da pioneira tradição ferroviária pernambucana, o metrô soma 32 anos de operação e uma série de dificuldades. Falta investimento e sobram as mais diversas queixas dos usuários: da superlotação dos vagões à insegurança, o sistema convalesce da grave crise que enfrentou em 2016, quando, por pouco, não parou de funcionar.

Maxilene Fernandes, à esquerda, e Reginaldo Pereira, à direita, queixam-se das condições de funcionamento do metrô do Recife (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Maxilene Fernandes, à esquerda, e Reginaldo Pereira, à direita, queixam-se das condições de funcionamento do metrô do Recife (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Para a estudante Maxilene Fernandes, utilizar o metrô é um suplício diário. “Eu venho de Jaboatão até a Estação Recife. Como o trem demora a chegar, acaba entrando muita gente e fica sufocante. Geralmente eu passo mal, fico com muito calor, é realmente muito incômodo. Já desmaiei várias vezes”, lamenta. Além do excessivo tempo de espera pelos trens, o adestrador de cães Reginaldo Pereira se queixa da insegurança nas estações. “Eu moro perto da Estação Alto do Céu e sempre vejo pessoas consumindo drogas no interior dela. Também existem muitos assaltos nessa área”, comenta.

Para José Luiz Mota Menezes, pesquisador, arquiteto e autor do livro “Mobilidade Urbana no Recife e seus Arredores”, há descaso das autoridades com o sistema, porque seus passageiros são oriundos de bairros periféricos da Região Metropolitana do Recife. “O desenho do metrô foi realizado nas linhas que contribuem para áreas como São Lourenço, Areias e Tejipió. Já os sistemas instalados em cidades como Paris, contemplam toda a sociedade, em termos de nível socioeconômico. A população contemplada quase condicionou a transformação do metrô em uma carroça sobre trilhos. Do outro lado, existem as pessoas que continuaram a usar o veículo que se dispunha para eles: o automóvel, sistema modal que foi mais valorizado do que o modal metrô”, argumenta.

Para o Professor José Luiz o metrô do Recife não acompanhou o desenvolvimento da cidade. Foto: Reprodução/TV LeiaJáPara o Professor José Luiz o metrô do Recife não acompanhou o desenvolvimento da cidade. Foto: Reprodução/TV LeiaJá

O pesquisador acredita que a malha metroviária da RMR não conseguiu acompanhar o desenvolvimento urbano da região. “Não é que ela seja ultrapassada. Quando o metrô foi instalado, foi instalado em função de parâmetros da época, as antigas linhas Sul e Centro tinham outras condições. Em Tejipió se encontravam sobrados, depois houve uma superpopulação causada pelo êxodo rural. Quando a cidade evoluiu e mudou, teria que se pensar novas linhas”, acrescenta.

O superintendente da CBTU Recife, Leonardo Villar Beltrão, coloca que a expansão da malha é o maior desafio do metrô. “Isso precisa acontecer de forma antecipada. Quando se deixa haver um grande adensamento populacional na região, o custo de implementação também aumenta muito, devido às desapropriações, por vezes, necessárias. Especialmente, em uma cidade como o Recife, que possui um lençol freático muito alto (dificultando trajetos subterrâneos), é preciso aproveitar os corredores livres”, defende. Villar comenta que, apesar do momento de crise econômica do país, o Metrorec conseguiu pagar praticamente todas as suas dívidas em 2016 e que o Ministério das Cidades prometeu um reforço de R$ 90 milhões para o orçamento deste ano e estuda liberar a mesma quantia para 2018.

Superintendente estima que recuperar trens danificados custaria R$ 20 milhões, mas seria preciso investir no sistema de finalização para que eles pudessem rodar (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)Superintendente estima que recuperar trens danificados custaria R$ 20 milhões, mas seria preciso investir no sistema de finalização para que eles pudessem rodar (Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens)

Vale lembrar que, em 2015, apesar das centenas de milhares de passageiros que transporta, o metrô, ao invés de lucro, deu prejuízo graças a dois anos de atraso no repasse de valores referentes às passagens da integração com os ônibus. “O principal problema de baixa arrecadação do metrô se deve à partição tarifária. A tarifa é de R$ 1,60, mas apenas R$ 0,53 centavos ficam conosco. De grande parte de nossos usuários, não recebemos nenhuma remuneração, pois são oriundos das integrações com os ônibus”, informa Villar. Além disso, o metrô acumulou uma série de problemas estruturais devido a anos de baixíssimo orçamento definido pelo Congresso Nacional.

Arte/CBTUArte/CBTU

Com o reforço da verba, Villar pretende investir na segurança e estrutura do Metrorec. “Já fechamos a instalação de 1.300 câmeras no sistema e estamos lutando para comprar peças, melhorar e recuperar as estações, recuperar a via permanente, bem como a parte elétrica”, diz. Dos 40 trens que possui, o metrô só consegue colocar 24 em circulação. “Não conseguimos dar o conforto que se deseja, de seis pessoas por metro quadrado, que seria o ideal de acordo com os especialistas. Agora, para colocar mais trens, também seria preciso melhorar nosso sistema de finalização, que hoje só permite que coloquemos aproximadamente 29 trens em circulação”, explica. O superintendente estima que só para reparar os trens danificados são necessários R$ 20 milhões de reais.

Tentando encontrar um caminho de volta aos tempos áureos do transporte ferroviário de passageiros em Pernambuco, mesmo diante da predileção recente do país pelo sistema de BRT’s, o metrô não dispensa o sonho de se expandir. “Acredito que o metrô daqui possui áreas onde a implementação de novas rotas é inclusive barata. Na BR-101, é possível implementar o metrô até cajueiro seco, partindo da fábrica da Bombril, porque não haveria custo com desapropriação. Também existem estudos sobre a instalação de VLT’s na Avenida Norte e na Avenida Agamenon Magalhães, embora este último caso mereça um maior debate devido à instalação recente dos BRT’s”, conclui o superintendente.

Metrô do Recife: é metrô ou trem?

“É metrô e é trem. Todo metrô é um trem. É incorreto afirmar que o que especifica o metrô é uma estrutura subterrânea. O que define um metrô é seu abundante número de viagens por dia e seu percurso reduzido”. André Cardoso, Coordenador do Educativo do Museu do Trem.

 

 

Capibaribe

Um Capibaribe vivo e navegável

Sonho antigo dos pernambucanos, o rio já foi o principal corredor de transporte do Recife
Por Eduarda Esteves

Paulo Uchôa/LeiaJáImagens Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Vivo, correndo sem pressa e resistindo a toda poluição, o Rio Capibaribe não é só uma unidade geográfica de Pernambuco, mas também histórica, social e sentimental. Ganhou versos nos poemas de João Cabral de Melo Neto, nas músicas de Chico Science e foi tema de livros de Gilberto Freyre. Registros históricos apontam que o rio começou a ser navegado ainda no século 16, pelos escravos, donos de engenho e estrangeiros que visitavam o povoado do Recife, durante a colonização de Portugal.

Naquela época, em suas margens, residências começaram a ser construídas para facilitar o transporte de uma margem para outra. Através de canoas, o açúcar era transportado entre as regiões, dos locais mais periféricos ao centro da cidade. A mobilidade, principalmente, entre Olinda e o Recife, era feita através dessas pequenas embarcações, que também navegavam pelo Rio Beberibe.

Desde o final do século XVIII, começaram a surgir margens das “várzeas do Capibaribe”. Foto2: Autor desconhecidoDesde o final do século XVIII, começaram a surgir margens das “várzeas do Capibaribe”. Foto2: Autor desconhecido

Com poucas estradas que levassem a população até o bairro de Santo Antônio e a ausência de pontes no primeiro século de colonização, a navegação fluvial se desenvolveu com facilidade. Em registros da arte no período colonial, uma gravura holandesa da terceira década do século 17 ilustra apenas uma única ponte sobre os mangues junto à Olinda.

“A vista é excessivamente encantadora, casas, árvores, jardins de cada banda. O rio faz a curva adiante e parece perder-se no meio da mata. As canoas indo docemente descem com a maré, e tudo reunido forma um espetáculo delicioso. O Capibaribe é navegável todo o ano até Apicucos (...).” O trecho anterior foi retirado do livro crônica “Travels in Brazil” (1992, p. 82-85), do escritor vindo da Inglaterra em 1809, Henry Koster.

Luis Schlappriz/ meados do século XIX/Acervo Fundação Joaquim JabucoLuis Schlappriz/ meados do século XIX/Acervo Fundação Joaquim Jabuco

A partir de 1808, a paisagem do Recife começou a sofrer grandes transformações. Nessa época, o monopólio comercial com Portugal foi rompido e houve a abertura dos portos às nações amigas, colocando o Brasil na rota do comércio internacional. No século 19, a capital pernambucana, cercada e cortada pelas águas de pelo menos cinco rios, que a margeiam por todos os lados, ganhou ares de "Veneza Brasileira".

Uma pesquisa realizada pelo arquiteto e urbanista José Luiz da Mota Menezes, ex-presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, revela que nessa época surgiu a primeira empresa de transporte fluvial no rio, em que barcos a vapor navegavam pelos engenhos de Casa Forte, Várzea e Apipucos.

Em diversas representações, os viajantes retratavam as pontes do Recife, seja através dos seus relatos ou das iconografias Foto: Autor desconhecidoEm diversas representações, os viajantes retratavam as pontes do Recife, seja através dos seus relatos ou das iconografias Foto: Autor desconhecido

Na iconografia do século 19, o cais era um dos elementos muito presentes nas imagens ilustradas por pintores no Recife, por causa da intensa movimentação fluvial de canoas, jangadas e barcos a vela. De acordo com Menezes, o sistema de navegação dos rios estimulou a construção de estruturas de cais diante das moradias, às suas margens.

Com a chegada do século 20, os rios começaram a passar por um processo de esquecimento que culminou com a popularização dos veículos terrestres, principalmente o carro. O rio, como um potencial para a mobilidade urbana na cidade, vai perdendo espaço gradualmente. Assim, o Capibaribe e seu sistema fluvial de transporte também são esquecidos e se transformam em esgotos a céu aberto.

Cidade engasgada, sem ter para onde crescer

Anos se passaram e atualmente os grandes aglomerados urbanos do Brasil se deparam com uma realidade de congestionamentos cada vez maiores. Atrasos para compromissos, desconforto, trânsito excessivo, estresse e poluição ambiental são alguns dos principais problemas que a população lida diariamente no deslocamento entre as regiões das principais cidades do país.

Paulo Uchôa/LeiaJáImagens Paulo Uchôa/LeiaJáImagens

Em 2016, uma pesquisa realizada pela empresa TomTom, especializada em GPS, trouxe números alarmantes sobre a mobilidade urbana no Recife. De acordo com os dados levantados pelo documento, a capital pernambucana é a cidade mais lenta do país no horário de pico noturno, das 17h às 19h. O Recife também ficou em sexto lugar no ranking mundial, apresentando problemas insustentáveis de congestionamento.

Para o professor e doutor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Oswaldo Lima Neto, especialista em mobilidade urbana, a problemática do transporte na Região Metropolitana do Recife se deve à hegemonia da automobilidade no planejamento urbano de cidades e a falta de estrutura do equipamento público. A cultura do automóvel também passou a ser entendida como sinal de progresso socioeconômico. Em 2014, o Brasil ocupou a oitava colocação na produção de veículos do mundo, de acordo com a associação internacional das montadoras (Oica).

A promessa de um sonho antigo

Ilustração de estação intermodal de embarque e desembarque. Fonte: Mobilize Brasil. Disponível em: www.mobilize.org.br/noticias/2038/recife-tera-transporte-fluvial-no-rio-capibaribe.htmIlustração de estação intermodal de embarque e desembarque. Fonte: Mobilize Brasil. Disponível em: www.mobilize.org.br/noticias/2038/recife-tera-transporte-fluvial-no-rio-capibaribe.htm

Em novembro de 2012, o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, anunciou um ‘projeto piloto’ que buscava despoluir as águas dos rios do Recife e transformá-los em corredores para o transporte público. Intitulada ‘Rios da Gente’, a iniciativa se apresenta como uma solução para a mobilidade problemática na capital, podendo potencializar e pluralizar as opções do transporte público. Era a promessa de um sonho antigo criando corpo.

Na época, a gestão estadual informou que as obras seriam iniciadas em 2013 e a promessa era de que tudo ficaria pronto para a Copa do Mundo, realizada no Brasil em 2014. No projeto estavam previstos, em um primeiro momento, dois corredores, o Oeste, com 11 km de extensão, que vai da BR-101 à estação central do Recife; e o Norte, com 2,9 km de extensão, que vai das proximidades da Rua do Sol, no bairro de Santo Antônio, até o início do Rio Beberibe, na cidade de Olinda. Um terceiro corredor, no trecho Sul, que segue pela Bacia do Pina, também deveria ser construído após a implantação dos demais.

Ilustração/Caruso Jr, 2002Ilustração/Caruso Jr, 2002

O custo do projeto Rios da Gente era estimado em R$ 289 milhões. Mas, com a ideia de criar outra rota do centro do Recife até a Zona Sul da cidade, o valor foi acrescido em R$ 115 milhões, na inclusão de outros 8 km de transporte fluvial. A promessa era atender cerca de 300 mil passageiros por mês, em 13 embarcações. Seriam cinco estações na rota Oeste. Dois Irmãos, Santana, Torre, Derby e Recife. Para a rota Norte, a previsão era a construção de duas estações: Correios e Tacaruna.

De acordo com a Secretaria de Cidades de Pernambuco, o projeto de navegabilidade também seria regulamentado e fiscalizado pelo Grande Recife Consórcio de Transporte, assim como acontece com o Sistema de Transporte Público Metropolitano (ônibus e metrô).

Planejamento do projeto organizado, divulgação realizada na imprensa e o sonho da volta do transporte fluvial é visto como uma das principais soluções para desafogar o trânsito e trazer mais qualidade de vida aos recifenses. Cinco anos depois, em 2017, tudo não saiu do papel. O cenário é de descaso com o dinheiro público e a obra segue travada, andando a passos lentos e quase inertes.

Chico Peixoto/LeiaJáImagensChico Peixoto/LeiaJáImagens

Uma das principais estações fluviais, às margens da BR-101, agora é cercada por estruturas de arame farpado e alguns homens fazem a segurança do local. Lá, há duas embarcações abandonadas, pichadas e enferrujadas, repousando no terreno com a vegetação completamente alta e descuidada. Em outro ponto, na Ilha Joana Bezerra, seria instalado o galpão de manutenção das embarcações. Sem nenhum sinal de avanço na obra, o local só junta entulhos e muito lixo.

Para que o projeto desse o pontapé era necessário que a dragagem dos rios Beberibe e Capibaribe, fundamental para a circulação das embarcações, fosse iniciada. O objetivo era remover todas as restrições existentes à navegação, como o lixo, escombros de antigas construções e até suprimir parte da vegetação local. De acordo com a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos e Energéticos (SRHE), o processo, orçado em R$ 101 milhões, realizado pelo Consórcio ETC & Brasília Guaíba, foi iniciado em 2013. Ao todo, 80% dessa etapa do projeto foi concluída.

Mas, houve paralisação no restante das obras ainda em 2015 devido a uma série de dificuldades na liberação dos recursos financeiros destinados à construção do projeto e desapropriação de comunidades localizadas nas margens do Rio Capibaribe, como Vila Brasil I e II, Coelhos e Roque Santeiro. Para o pesquisador Oswaldo Lima Neto, que participou do grupo da formulação do Projeto Rios da Gente, o principal culpado do não andamento da obra é o Governo do Estado.

Embarcação que seria utilizada no projeto hoje está degradada. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)Embarcação que seria utilizada no projeto hoje está degradada. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)

“A gestão estadual recebeu a verba do governo federal e começou de imediato a dragagem dos rios. Mas não se tinha pronto o projeto das estações, dos barcos e o planejamento contingencial, caso algo não saísse como planejado. O resultado foi que as comunidades não foram realocadas e a obra parou. Se forma um imbróglio que para desatar vai dar muito trabalho”, lamenta o professor.

Para o diretor de Planejamento do Grande Recife, Alfredo Bandeira, a obra não era prioridade da gestão estadual porque a navegação fluvial não é cultural na cidade. “O cheiro do diesel, o desconforto, o enjoo, a gente sabe que a população não está acostumada com isso e seria difícil essa adaptação ao modal barco”, diz. Para o gestor, o projeto de navegabilidade não está parado, mas “andando devagar”.

“Não é tão simples implementar a navegabilidade na capital. Nossos rios são sujos e isso dificulta a navegação dos barcos. É caro de fazer a dragagem para manter as águas limpas e a população não tem aquela apego extraordinário. Estamos tentando viabilizar algum projeto de transporte fluvial, não como antes, mas algo menor. Tudo está sendo revisto. Tínhamos recurso, mas enfrentamos uma crise financeira e como não era um projeto prioritário, o governo decidiu dar uma segurada. Não está parado, mas será reformulado”, explica Alfredo.

“Para que o trânsito melhore é preciso que muita gente vá de barco, mas eu não acho que isso vá acontecer”, opina o diretor de planejamento do Grande Recife. Se por um lado, para Alfredo Bandeira, utilizar o transporte fluvial não é uma postura cultural dos recifenses e, por isso, a obra de navegabilidade não seria tão urgente, mesmo a cidade sendo cortada por vários rios, por outro, há quem acredite no potencial de mobilidade dos rios. Gente que sobrevive das águas do Capibaribe, transportando diariamente centenas de pessoas de uma margem para outra.

O Pai do rio

Cortando caminho, o barqueiro Antônio José puxa seu bote diariamente para atravessar pessoas de uma margem para a outra por apenas R$ 1

Chico Peixoto/LeiaJáImagensChico Peixoto/LeiaJáImagens

Na língua portuguesa, o significado da palavra “esmero” é o cuidado extremo em qualquer tarefa, trabalho ou serviço. Também é o refinamento e o cuidado com algo. Não há melhor substantivo para descrever a relação de Antônio José da Cunha, 44, mais conhecido como Pai do bote, com as águas do Rio Capibaribe, de onde ganha o sustento.

Pontualmente, Pai acorda às 4h15 e muitas vezes o céu ainda dorme escuro e o silêncio paira. Não fosse pelo cantar dos galos, ele provavelmente diz que não saberia a hora exata de levantar e iniciar a jornada de trabalho, mas acorda sempre no mesmo horário porque seu corpo se acostumou. Sem trajes de fardamento formal e vestindo roupas leves e um chapéu, ele caminha poucos metros pelo bairro da Iputinga rumo à margem do Capibaribe.

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A maré está secando e à medida que as águas vão se distanciando da margem, o piso fica escorregadio. Com uma vassoura de piaçava, Pai esfrega o chão, feito por ele com pedaços de concreto, que dá acesso ao seu barco. Ele explica que a lama deixada pelo rio pode prejudicar a descida e subida dos seus passageiros e por isso tudo tem de estar muito organizado e limpo, para ninguém correr o risco de escorregar.

Pouco antes das 5h o movimento de pessoas vai crescendo e é hora de subir no bote e observar se tudo está em ordem. Remo em mãos, corda pendurada de uma margem até outra e a maré se encarrega de ajudar a levar o barco ao outro lado. A travessia realizada da Iputinga, na Zona Oeste do Recife, ao Poço da Panela, na Zona Norte, é realizada pela família de Pai há 70 anos.

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A tradição começou com o seu avô, que ainda jovem transportava os filhos de uma família moradora da Iputinga para Casa Forte. As crianças estudavam lá e o tempo de trajeto pelo rio era muito curto. “Eles falaram com o meu avô e ele aceitou fazer o trajeto diariamente. Até que a família se mudou e deixou o bote de presente”, conta Pai. Ao longo dos anos, o trabalho foi se aperfeiçoando e pessoas da comunidade começaram a utilizar o serviço também.

Era um dia de domingo e o movimento da travessia estava grande. Pai lembra que já sabia navegar e tinha uma intimidade grande com o rio. O seu tio o chamou e disse que ele iria ajudar no bote transportando as pessoas. Ainda adolescente, aos 12 anos, Antônio assumiu a tarefa e há mais de 30 anos vive do rio.

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A travessia dura cerca de dois minutos e funciona de domingo a domingo, das 4h30 às 19h. O trecho navegado custa apenas R$ 1. Para se deslocar, Pai puxa o bote de madeira com uma corda grossa azul, que ele mesmo amarrou entre uma ponta e a outra.

Trabalhando no Capibaribe há mais de três décadas, Pai viu o rio ser deixado de lado aos poucos e a poluição invadir as águas de forma devastadora. Ainda criança, ele conta que mergulhava na maré, pescava e era melhor do que qualquer piscina ou passeio. “O rio era a minha diversão, tenho histórias e uma relação muito forte com ele”.

Hoje, Pai diz que a natureza por lá foi esquecida e sobraram poluição, lixo e muito entulho, mas que algumas capivaras e jacarés resistem; os bichos aparecem vez ou outra. Ele conta que não mergulha mais nas águas, com uma única exceção. “Algumas pessoas já caíram e eu tive que pular para buscar. Objetos pessoais também escorregaram das mãos dos clientes e entrei no rio, sou filho dele”, lembra.

Além de representar uma mobilidade potencial para a cidade do Recife, o Capibaribe guarda histórias e vivências de muitas pessoas. “Minha felicidade é fazer do rio meu transporte. Dependo de todo mundo que passa por aqui, assim como eles dependem de mim. Nossa relação é essa”, diz.

Maria Inês depende do transporte via Capibaribe para chegar ao trabalho. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)Maria Inês depende do transporte via Capibaribe para chegar ao trabalho. (Chico Peixoto/LeiaJáImagens)

A doméstica Maria Inês, de 51 anos, pega o bote há 30 anos. Cresceu vendo sua família utilizar o serviço e se diz muito grata ao transporte de Pai. Ela mora no bairro da Iputinga e trabalha na Estrada do Encanamento. Tem que estar no trabalho às 8h e consegue sair de casa pouco depois das 7h. Isso só é possível por causa do transporte fluvial e o tempo que ganha fazendo a travessia de barco.

“Eu desço do barco e vou andando. É mais fácil pegar o barquinho porque se eu for de outro jeito tenho que pegar quatro ônibus e acordar às 5h. É qualidade de vida, fico muito feliz porque gosto do contato com a natureza”, conta.
 

Chico Peixoto/LeiaJáImagensChico Peixoto/LeiaJáImagens

Eliete Oliveira, de 33 anos, sai de bicicleta de Monsenhor Fabrício e atravessa de barco para trabalhar do outro lado da rua. Ela poupa ao menos seis horas do seu dia, entre ida e volta do trabalho, além de pagar uma tarifa bem mais barata. Seriam três ônibus e o trajeto atualmente é feito em poucos minutos. “A iniciativa é maravilhosa, se não fosse isso, coitado de nós”.

Trabalhadores, estudantes e pessoas com pendências para resolver na Zona Norte são os principais clientes do bote. Poupar tempo e evitar o estresse com trânsito são os principais motivos que levam os clientes de Pai a optar pelo bote. Para ele, a sensação de ajudar as pessoas não pode ser descrita. “Parece que alguém coloca a mão em meu peito de manhã cedo e me acorda, como se fosse hora de cumprir minha missão”, diz.

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Em pé na ponta do barco, com movimentos cuidadosos em seus pés para manter o equilíbrio do pequeno barco, Pai diz sentir o cheiro da maré até nos sonhos. "Esse é o meu trabalho, vivo o rio todos os dias”.

 

 

Planos

Planos e promessas por um transporte digno

Em meio aos anseios da população por um serviço de transporte público de qualidade, representantes do poder público e especialistas traçam planejamentos em busca de melhorias
Por Nathan Santos

É preciso pensar adiante. O espaço público vive sedento por melhorias. Em paralelo ao ritmo frenético dos cidadãos que circulam pelas ruas do Recife, a mobilidade exige, a passos apressados, planejamentos, ideias e ações concretas que possam beneficiar a grande massa da população, principalmente o povo que depende do transporte coletivo. Mas nada pode ser feito da noite para o dia, assim como é inaceitável aguardar por melhorias e não vê-las. Entre promessas, representantes governamentais e especialistas em mobilidade coletiva compartilham planos que, por meio de subsídios do poder público, podem virar realidade e contribuir em prol de um descolamento seguro.

Ponte Duarte Coelho, no Centro do Recife, é uma via com movimentação diária de ônibus. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)Ponte Duarte Coelho, no Centro do Recife, é uma via com movimentação diária de ônibus. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Tratando-se de investimento financeiro, praticamente em todas as cidades brasileiras houve cortes orçamentários em diversas áreas. Inevitavelmente, buscar recursos para obras de mobilidade com foco no transporte público torna-se uma tarefa difícil para os gestores municipais, entretanto, uma estratégia a nível federal promete abrir os cofres para as prefeituras que apresentarem projetos viáveis para suas cidades: até abril de 2018, os municípios devem mostrar ao governo federal seus Planos de Mobilidade Urbana. Cada cidade poderá receber verba federal para obras de mobilidade.

Em Pernambuco, a Pesquisa Origem-Destino Metropolitana 2017/2018 reunirá dados sobre os moradores das cidades que integram a Região Metropolitana do Recife: Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Igarassu, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata. Realizado por meio de uma parceria entre o Instituto da Cidade Pelópidas Silveira e o Grande Recife Consórcio de Transportes Metropolitanos, o estudo – disponível na internet - tem o objetivo mapear as necessidades de deslocamento da população e a partir dos resultados obtidos, serão disponibilizadas informações que poderão integrar os planos de mobilidade. Criação de linhas de ônibus e metrô, obras e mudanças de itinerários são algumas das possibilidades.

Diretor de planejamento do Grande Recife Consórcio, Alfredo Bandeira reforça a necessidade de a população participar da pesquisa. A tendência é que a coleta de dados prossiga pelo início de 2018, mas é preciso que os municípios mantenham o foco para apresentarem os Planos de Mobilidade Urbana até abril. Reconhecendo problemas presentes no cotidiano do transporte coletivo, o diretor ainda afirma que algumas obras já iniciadas deverão ser concluídas no início do próximo ano. Dificuldades à parte, Bandeira elogia o sistema coletivo da Região Metropolitana do Recife.

“Temos feito um esforço grande no sentido de sempre melhorar o sistema a cada ano. Mas nem sempre a gente consegue o que quer. A gente lida com muita dificuldade, do ponto de vista de pobreza da região; queremos dar um transporte de melhor qualidade, mas o povo não pode pagar. Tem que entrar com subsídio do Estado, mas o Estado, por sua vez, não pode pagar o que deveria. Temos muita dificuldade com o transporte. Apesar das dificuldades, entre os países de terceiro mundo, nosso sistema é um dos melhores, sendo, inclusive, referência para outros países. O próprio BRT foi um esforço grande nosso, não tínhamos esse corredor, claro que não está totalmente implantado, temos uma série de problemas pelo caminho”, argumenta Alfredo Bandeira, complementando que a quarta perimetral do BRT da Avenida Caxangá deve ser concluída no início de 2018.

De acordo com Bandeira, o Governo do Estado ainda não tem definições concretas de obras ou criação de linhas que podem ocorrer nos próximos anos. O diretor explica que a pesquisa realizada nas cidades da Região Metropolitana reunirá dados e conclusões que poderão nortear um planejamento de mobilidade a nível estadual; só após esse processo deverão ser definidas as ações. Por enquanto, como os dados do estudo ainda não foram fechados, o que se pode adiantar é que o transporte público deve ter mais prioridade em relação aos automóveis de pequeno porte. “Você não deve priorizar novas avenidas para carro, mas sim para o transporte público. O que você abrir, a moto e o automóvel vão ocupar. Temos um estudo que diz que para cada via ocupada por um ônibus, você tem dez veículos. A relação passageiro/transportado é diferente a favor do ônibus”, adianta o diretor. “Isso tudo são planos que vão virar projeto”, complementa.

Avenida Conde da Boa Vista é um dos principais corredores de mobilidade do Recife. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)Avenida Conde da Boa Vista é um dos principais corredores de mobilidade do Recife. (Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Ainda segundo o diretor de planejamento do Grande Recife, a pesquisa também contribuirá para o Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Recife (PDTU). Diferente dos planos de mobilidade, que têm foco mais amplo - desde o pedestre até os grandes veículos -, o PDTU aborda especificamente o serviço de coletivos públicos. “Nós vamos começar esse PDTU em 2018, chamando todo mundo para discutir o que pode ser feito. Vamos aferir os resultados da pesquisa em cada município semanalmente e, desse PDTU, poderão sair recortes de planos de mobilidade para as cidades. A partir desses dados, vamos propor o que podemos melhorar”, explica Alfredo Bandeira.

A tendência é que elaboração do PDTU ocorra durante todo o ano de 2018. Audiências públicas, reuniões entre especialistas e representantes do governo, devem ocorrer antes da conclusão do Plano Diretor. Além disso, o Grande Recife tem inúmeros desafios pela frente, tais como violência nos ônibus, atrasos nas viagens, trânsito travado e, segundo Bandeira, um dos problemas mais graves: evasão de receita. "É o cara que não está pagando para viajar nos ônibus. Isso é muito grave! Nem sempre é verdade que o cara não tem como pagar. A grande maioria é porque consegue entrar. A evasão é de quase R$ 9 milhões por mês", diz o diretor. A seguir, Alfredo Bandeira traz mais detalhes dos desafios enfrentados pelo Grande Recife e aponta o que seria o transporte público ideal:

O gerente de planejamento de transportes públicos do Instituto Pelópidas Silveira, vinculado à Prefeitura do Recife, Cesar Cavalcanti, também traça ações que podem contribuir para o transporte coletivo. Ele ainda reconhece os atuais problemas do sistema, mas não considera que o serviço está entre os piores do mundo. Para o especialista, o patamar local pode ser considerado intermediário; não é o melhor, porém, não deve ser apontado como o pior. "Nós temos que reconhecer as deficiências: superlotação é um problema seríssimo, aqui na nossa cidade há o problema do clima, falta ar-condicionado, a falta de frequência que causa a lotação, mas não podemos desconhecer os avanços e melhorias que estamos construindo ao longo do tempo", argumenta.

"Dentre essas melhorias, ressalto o BRT, algo completamente diferente do que estamos acostumados. A bilhetagem eletrônica é outro avanço. Com toda a dificuldade que existe, nosso sistema tem uma trajetória ascendente, no sentido da melhoria. Não está avançando com a velocidade que todos querem porque nós somos um país pobre", opina Cavalcanti. Vislumbrando ações em prol do transporte público, o gerente defende a ideia de que o serviço precisa ser custeado não apenas por quem o utiliza. De acordo com ele, o financiamento coletivo deveria ser uma realidade.

"Isso deve ocorrer no Brasil como um todo, com a toda a sociedade urbana. Por exemplo, você não pode deixar de pagar a taxa de bombeiro. É uma lei, porque a cidade precisa dessa instituição. Isso é o conceito, a filosofia por trás da ideia. Em termos práticos, existem inúmeras maneiras para chegarmos ao financiamento coletivo do transporte público. Você pode sobretaxar a gasolina, usada especificamente pelo transporte individual; aplicação de pedágio urbano; taxar registro dos veículos. Os americanos financiam com um percentual na venda de qualquer produto de varejo que vai para um fundo de transporte", argumenta Cesar Cavalcanti. "Enquanto a gente não resolver o problema do financiamento, não vamos melhorar com a rapidez que queremos. Precisamos disso para modernizar e ampliar o serviço", complementa.

Faixa exclusiva: a solução emergencial

Tanto os planos de mobilidade e até mesmo a sugestão de financiamento coletivo ainda não são realidade. Enquanto isso, a população exige melhorias no serviço público de transporte e cobra soluções, principalmente das gestões de transporte, para os principais problemas, a exemplo da superlotação, atraso nas viagens, falta de comodidade nos veículos, violência e trânsito intenso. Como alternativa emergencial, o gerente de planejamento do Instituto Pelópidas Silveira aponta a criação de faixas exclusivas.

(Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)(Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

"A faixa azul tem que ampliar. Temos seis, precisamos ampliar para 15, pelo menos. Pode ser feita em curto prazo, o dinheiro não é tão grande, e tem resultado significativo: 30%, 40%, 50% de aumento na velocidade operacional. A rapidez da viagem é um dos fatores mais valorizados pelos usuários. Enquanto a gente não inverter essa lógica do uso da via dando prioridade a quem carrega muito mais pessoas, não vamos conseguir tomar as medidas necessárias para a melhoria do transporte coletivo", frisa o gerente. Segundo Cesar Cavalcanti, a implantação física de uma faixa exclusiva varia de um a dois meses, e o dinheiro gira em torno de R$ 100 mil ou R$ 200 mil por quilômetro.

Procurada pelo LeiaJá, a Prefeitura do Recife, por meio da CTTU, informou que tem investido na implantação de faixas exclusivas. Mesmo diante da necessidade de novas faixas, apenas a criação de uma está definida: “Para o final deste ano, está prevista a implantação de uma Faixa Azul na Estrada dos Remédios, na Zona Oeste do Recife. Ela vai passar na Estrada dos Remédios, na Avenida Visconde de Albuquerque e Rua José Bonifácio e terá 3,6 km de extensão”. Por meio de nota, a PCR detalhou os trabalhos já realizados:

“Com o projeto Faixa Azul, a Prefeitura do Recife, através da Autarquia de trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), promoveu mais agilidade na circulação do transporte coletivo pela cidade. Os cerca de 33 km de faixas azuis implantados nas avenidas Recife, Mascarenhas de Moraes, Herculano Bandeira/Engenheiro Domingos Ferreira, Conselheiro Aguiar, além das ruas Real da Torre e Cosme Viana resultaram na ampliação de mais de 100% dos quilômetros de faixas exclusivas para o transporte público existentes no município, a partir do ano de 2013, que passou de 20,51 km para 54 km, em quatro anos. As faixas azuis beneficiam, diariamente, cerca de 100 linhas de ônibus, que transportam mais de 600 mil passageiros”.

“O ganho de velocidade promovido pelas faixas azuis chega em até 118%, como é o caso da Avenida Herculano Bandeira, onde a velocidade dos coletivos passou de 11km/h para 24km/h. Para garantir ainda mais respeito e facilidade na circulação do transporte coletivo, também foram implantados 25 equipamentos de fiscalização eletrônica nas faixas implantadas nas avenidas Mascarenhas de Moraes e Herculano Bandeira. Atualmente, a CTTU realiza estudos de prospecção com o intuito de identificar os corredores viários que podem receber novos corredores exclusivos de ônibus, através de análises do quantitativo de passageiros que circulam nos locais e de conversões à direita existentes na vias”.

Pesquisa concluída no Recife

A capital pernambucana já finalizou o estudo sobre origem e destino. A análise foi realizada entre 2015 e 2016, coletando informações de mais de 84 mil pessoas. Desse total, quase 60 mil tiveram respostas válidas e aproveitadas na pesquisa que ajudará na conclusão do plano de mobilidade local. De acordo com o levantamento, o ônibus é o principal modelo de transporte do Recife, tanto na origem quanto no destino: 50,25% das pessoas que se deslocam para trabalhar utilizam os coletivos, enquanto quase 45% dos cidadãos que vão estudar usam os ônibus.

(Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)(Rafael Bandeira/LeiaJáImagens)

Apesar da conclusão do estudo na capital pernambucana, também não há decisões sobre ações concretas, tais como criação de linhas ou obras de mobilidade. Tudo ainda dependerá da finalização do plano de mobilidade e posteriormente da aprovação da gestão municipal. No entanto, o diretor executivo de planejamento da mobilidade do Instituto Pelópidas Silveira, Sideney Schreiner, revela que a pesquisa identificou alguns direcionamentos importantes para o espaço urbano.

"A gente precisa de uma priorização efetiva do transporte público coletivo. Isso vai desde a linha convencional de ônibus, passando pelo BRT, até o metrô. Uma grande parte das ações de mobilidade está focada direta ou indiretamente no transporte público. Estamos tratando, dentro do plano de mobilidade, desde o acesso do pedestre ao ponto de ônibus - primeira etapa de qualquer viagem - até questões como qualidade do transporte público, critérios para se criar ou cancelar linhas, busca por financiamentos e chegando à interação entre uso do solo e a mobilidade", explana Schreiner.

"Podemos criar centralidades nos pontos principais de transporte urbano. Tornar a área no entorno das estações de metrô e terminais de BRT, por exemplo, uma centralidade, um local de convívio que vai atrair as pessoas para esses locais. Ao contrário do que temos hoje no metrô, você chega a uma estação e vê que o entorno dela é completamente degradado, ninguém quer estar ali", complementa. Confira, a seguir, mais informações sobre iniciativas que podem contribuir para o transporte público no Recife. Sideney Schreiner também dá mais detalhes sobre a pesquisa de origem e destino realizada na capital pernambucana:

Coletivos

O presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros no Estado de Pernambuco (Urbana-PE), Fernando Bandeira, também analisou a conjuntura local do serviço de ônibus na capital pernambucana e cidades vizinhas. O representante sindical das empresas que oferecem o transporte coletivo fez projeções sobre possíveis melhorias que possam contribuir para a população que depende desses modais. A seguir, confira uma entrevista em vídeo com Bandeira:

 

 

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