Luiz Gonzaga: O inventor do Nordeste
 

O tempo

Cronologia

 
 

 1912 13 de dezembro

Nascimento

Nasce Luiz Gonzaga do Nascimento, filho de Ana Batista de Jesus (Dona Santana) e Januário José dos Santos em Exu, Pernambuco.

 

 1920

Primeira apresentação

Gonzaga, com oito anos, realiza a primeira apresentação como sanfoneiro em uma festa. Começa a se apresentar com o pai em bailes, feiras e forrós.

 

 1926

Primeira sanfona

Compra sua primeira sanfona, de oito baixos, com ajuda do coronel Manoel Aires de Alencar, de quem era protegido, que empresta o dinheiro.

 

 1929

Paixão, confusão e fuga de casa

Conhece e se apaixona por Nazarena, filha de Raimundo Deolindo, que proíbe o romance. Indignado, o jovem Luiz Gonzaga toma algumas doses de cachaça e vai à feira desafiar, em público, o pai da amada com uma faca. Leva uma surra de Dona Santana e decide fugir de casa.

 

 1930

Alistamento no exército

Luiz Gonzaga vai ao Crato-CE, onde vende sua primeira sanfona por 80 mil réis. Com o dinheiro, compra uma passagem de trem para Fortaleza, capital do Ceará, e se alista no exército, servindo no 23º Batalhão de Caçadores do Exército. Com o estouro da Revolução de 30, o soldado serve em diversos Estados do país: Ceará, Piauí, Paraíba, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Alistamento no exército

 

 1936

Sanfona de 120 baixos com o sanfoneiro Domingos Ambrósio

Em Minas Gerais, conhece o sanfoneiro Domingos Ambrósio, que o ensina a tocar a sanfona de 120 baixos e ritmos populares no Sudeste, como polca, tango, valsa e samba. Compra uma sanfona nova.

 

 1939

Vai morar no Rio de Janeiro

Depois de nove anos, dá notícias à família, que ainda vive em Exu. Pede dispensa do exército e vai para o Rio de Janeiro, onde ganha a vida executando ritmos como valsa, tango, choro e foxtrot, em moda na época. Apresenta o mesmo repertório em programas de calouros no rádio, sem muito sucesso.

 

 1940

O começo da inspiração

Um grupo de estudantes cearenses diz a Gonzaga que ele devia tocar as coisas da sua terra e deixar de lado as músicas estrangeiras. Segue o conselho e consegue nota máxima no programa de calouros e Ary Barroso com sua composição Vira e Mexe.

 

 1941

Contrato com rádios e gravadora

Realiza a primeira gravação como sanfoneiro, acompanhando Genésio Arruda. É contratado pela gravadora RCA Victor para gravar como solista e lança o primeiro disco da carreira, instrumental, de 78 rotações. Lança ainda mais dois discos e passa a ser considerado "O maior sanfoneiro do nordeste". É contratado pela Rádio Clube do Brasil, transferindo-se mais tarde para a Rádio Tamoio.

Contrato com rádios e gravadora

 

 1944

Apelido Lua

É demitido da Rádio Tamoio e contratado pela Rádio Nacional. O radialista Paulo Gracindo torna público o apelido "Lua", dado a Luiz Gonzaga pelo violonista Dino Sete Cordas.

 

 1945

Ano de grandes acontecimentos

Luiz Gonzaga grava sua primeira música com voz: Dança Mariquinha. Nasce Luiz Gonzaga Nascimento Júnior, filho da cantora e dançarina Odaléia Guedes assumido por Gonzaga, que a conheceu grávida e engatou um romance com ela. Conhece Humberto Teixeira, um dos seus mais importantes parceiros.

Nasce Luiz Gonzaga Jr.

 

 1946

Sucesso e volta a Exu

Grava, com o grupo Quatro Ases e Um Coringa, a canção Baião, parceria com Humberto Teixeira e estrondoso sucesso. Lança outro sucesso, No meu pé de serra. Após 16 anos, Luiz Gonzaga volta a Exu para visitar a família, evento que rende um famoso causo contado pelo artista em seus shows. A visita inspira também a canção Respeita Januário.

Humberto Teixeira

 

 1947

Asa Branca

Grava e lança a mais icônica de suas canções: Asa Branca, outra parceria com Humberto Teixeira. Conhece a contadora Helena das Neves Cavalcanti e a contrata como secretária. Começam a namorar.

 

 1948

Casamento e Dominguinhos

Gonzaga casa com Helena Neves. Odaléia Guedes morre de tuberculose. Luiz tenta trazer o filho para casa, mas sua nova esposa discorda. A criança vai morar com os padrinhos, Leopoldina e Henrique Xavier Pinheiro, no Rio de Janeiro. Luiz Gonzaga conhece Neném do Acordeon, futuramente conhecido como Dominguinhos, que na época tinha apenas sete anos.

Casamento

 

 1949

Traz família para o Rio de Janeiro

Traz sua família para morar no Rio de janeiro, após temporada no Crato-CE, por conta da guerra entre as famílias Sampaio e Alencar.

 

 1950

Parceria com Zédantas

Inicia a parceria com Zédantas, lançando canções como A dança da moda e Cintura fina.

Parceria com Zédantas

 

 1951

Acidente de carro

Luiz Gonzaga sofre um acidente de carro com seus músicos, João André Gomes (Catamilho) e Zequinha. No programa No Mundo do Baião, da Rádio Nacional, coroa a cantora Carmélia Alves como Rainha do Baião, usando como coroa um chapéu de couro.

 

 1952

Rei do Baião

Já consagrado como o Rei do Baião, lança seu último disco de 78 rotações. Inicia parceria com Hervê Cordovil. Adota, com a esposa Helena, a menina Rosa Maria.

Rei do Baião

 

 1954

Reencontra Dominguinhos. Primo assassinado.

Reencontra Dominguinhos, então com 13 anos, que se mudou para o Rio de Janeiro e procurou Gonzaga. O Rei do Baião o presenteia com uma sanfona. Convida Jackson do Pandeiro para morar no Rio de Janeiro. Seu primo, Raimundo Jacó, é assassinado, o que inspiraria, anos depois, a realização da Missa do Vaqueiro

Reencontra Dominguinhos

 

 1955

Discos de 45 e 33 rotações

Grava seus primeiros discos de 45 e 33 rotações.

 

 1957

Nova parceria

Estreia parceria com Onildo Almeida.

 

 1959

Gonzaguinha quase morre

Seu filho, Gonzaguinha, contrai tuberculose e quase morre.

 

 1960

Morre a mãe de Luiz Gonzaga

Morre Dona Santana, mãe de Luiz Gonzaga, de Doença de Chagas.

Morre mãe de Luiz Gonzaga

 

 1961

Maçonaria

Entra para a maçonaria. Conhece Zé Marcolino, futuro parceiro. Traz seu Filho, Gonzaguinha, para morar com ele, mas a esposa não aceita o garoto, causando grande conflito . Gonzaga sofre novo acidente de carro, que causa um sério ferimento no olho direito.

 

 1962

Morre Zédantas

Conhece João Silva, parceiro musical. Morre Zédantas, após várias parcerias de sucesso.

 

 1963

A morte do vaqueiro

Grava a canção A morte do vaqueiro. Conhece o poeta Patativa do Assaré.

 

 1964

Compra terreno em Exu

Grava A triste partida, sucesso após um tempo de menos prestígio da música nordestina, por conta da ascensão da Bossa Nova. Compra, na sua cidade natal Exu, o terreno que viria a se transformar no Parque Aza Branca, pensado por Gonzaga como guardador do seu legado.

 

 1968

De volta à mídia

O apresentador e produtor Carlos Imperial espalha o boato de que os Beatles haviam gravado a canção Asa Branca, trazendo Gonzaga de volta à mídia. Conhece Edelzuíta Rabelo, em Caruaru.

Edelzuíta Rabelo

 

 1971

A Missa do Vaqueiro

A Missa do Vaqueiro, em homenagem a Raimundo Jacó, é realizada pela primeira vez. Acontecendo anualmente desde então, é hoje um evento tradicional em Pernambuco.

 

 1973

Assina com a gravadora EMI-Odeon

Após 23 anos, Luiz Gonzaga muda de gravadora, saindo da RCA Victor e indo para a EMI-Odeon.

 

 1974

Parque Nacional do Vaqueiro

É construído o Parque Nacional do Vaqueiro.

 

 1976

Assina novamente com a RCA Victor

Assina novamente com a gravadora RCA Victor.

 

 1978

Falecimento do pai

Morre Januário, pai de Luiz Gonzaga.

Falecimento do pai

 

 1979

Morre Humberto Teixeira

Humberto Teixeira, o "Doutor do Baião" e um dos principais parceiros de Gonzaga, morre. Gonzaga lança o disco Eu e meu pai, em homenagem a Januário.

 

 1980

Fortalece laços com Gonzaguinha

Canta para o papa João Paulo II, que diz "Obrigado, cantador", em Fortaleza. Inicia a turnê Vida do Viajante, com seu filho Gonzaguinha. O encontro marca também o laço definitivo com o filho, com quem sempre teve uma relação conturbada.

Fortalece laços com Gonzaguinha

 

 1981

Gonzagão

Sai o disco dos shows que fez com Gonzaguinha. Passa a assinar como Gonzagão, aproveitando o fato de seu filho ser chamado de Gonzaguinha.

 

 1982

Primeira apresentação no exterior

Apresenta-se pela primeira vez no exterior, em Paris, capital francesa. Intervém junto ao então Presidente da República, Aureliano Chaves, para que acabe com a rixa entre as famílias Sampaio, Alencar e Saraiva, que já tinha causado várias mortes.

 

 1984

Disco de Ouro

Recebe o primeiro Disco de Ouro, pelo LP Danado de Bom. Vence o Prêmio Shell. Grava o primeiro disco em parceria com o cantor cearense Fagner.

 

 1986

Público de 15 mil na França

Toca novamente na França, para um público de cerca de 15 mil pessoas.

 

 1988

Assume relação com Edelzuíta

Separa-se definitivamente de Helena e assume a relação com Edelzuíta Rabelo. Sai novamente da RCA Victor.

 

 1989

Morre o Rei do Baião

É internado no Hospital Santa Joana, no Recife, no mês de junho. Aos 76 anos de idade, falece no dia 2 de agosto com uma parada cardiorrespiratória.

 
 
 

Genealogia Musical

Seu Januário
(Pai)
Dona Santana
(Mãe)
Severino Januário
(Irmão)
Zé Gonzaga
(Irmão)
Luiz Gonzaga
Chiquinha Gonzaga
(Irmã)
Dona Muniz
(Irmã)
Maria Lafaiete
(Prima)
Rosinha
(Filha)
Gonzaguinha
(Filho)
Joquinha Gonzaga
(Sobrinho)
Daniel
(Neto)
Amora Pêra
(Neta)
Fernanda Gonzaga
(Neta)
 

A alquimia do baião

A invenção do Baião

O poder de síntese e criação que elevou Luiz Gonzaga à condição de Rei

Quando Luiz Gonzaga sai do exército e ruma para o Rio de Janeiro,estabelece-se lá como um músico profissional, tocando as músicas mais em voga na época, como polcas, valsas e tangos. Certa noite, um grupo de estudantes cearenses que acompanhava a apresentação interpelou o sanfoneiro, incitando aquele músico a tocar as coisas da sua terra de origem. A provocação fez com que Gonzaga resgatasse sua experiência de infância e juventude tocando nas festas do seu interior e seguindo os passos do pai, lembrando daquelas músicas.

Com a composição Vira e mexe, um chamego, Luiz Gonzaga consegue chamar atenção pelo jeito diferente de tocar e pelo sotaque regional de sua música. Seu chamego tira nota máxima no programa de rádio de Ary Barroso, que promovia um show de calouros, e é contratado por uma gravadora e por uma rádio. Quando percebe que havia espaço para a música regional, e que a sua música era muito bem recebida, começou a encarnar a identidade do sertanejo nordestino e a se tornar a voz do sertão brasileiro.

À sua qualidade de instrumentista, Gonzaga foi acrescentando diversos outros elementos para compor não só canções, mas um tipo que resumisse a sua terra de origem, o sertão do Araripe. Trajando roupas de cangaceiro e de vaqueiro, falando com trejeitos do povo simples do qual ele mesma fazia parte, cantando temas e paisagens do sertão, o músico construiu um mosaico de referências que acertou em cheio o coração de migrantes nordestinos e agradou da massa de trabalhadores às classes abastadas com sua dança, melodias e carisma.

Em 1945, quando grava sua primeira canção com voz e conhece Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga já estava havia 15 anos longe de Exu, sua cidade natal. O baião foi gestado enquanto o seu futuro rei estava longe de casa. E foi exatamente quando fez sucesso com sua música e investiu forte no regionalismo que Luiz voltou para casa e reencontrou sua família, seu sertão, o gado, as casas de reboco, o seu pé de serra.

Para sintetizar suas influências e reforçar a nordestinidade do seu trabalho, Gonzaga começou a procurar por um parceiro musical que pudesse fazer letras para suas canções identificadas com a paisagem sonora que ele desenhava em sua sanfona. Encontra então Humberto Teixeira, advogado cearense também radicado no Sudeste do Brasil. O Velho Lua mostrou o que planejava, Teixeira topou e eles compõem então a primeira parceria, Baião. Os versos não deixam dúvidas de que eles sabiam que estavam criando algo: "Eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião/E quem quiser aprender, é favor prestar atenção".

O auge desta síntese acontece em 1947, quando Gonzaga lança Asa Branca, que viria a ser a mais conhecida e reverenciada música de sua carreira. Com seu baião virando febre e vendendo muitos discos, Luiz Gonzaga é empossado como "Rei do Baião" e Humberto Teixeira ganha o título "Doutor do Baião". A busca por uma sonoridade cada vez mais identificada com o sertão, o rei encontra um novo parceiro, também fundamental para a cristalização da sua sonoridade e temática: Zédantas. Com o médico pernambucano, Gonzagão mergulha ainda mais em referências rurais, sertanejas, encarnando um povo que, até então, não "existia" para o centro-sul do Brasil.

O TRIO

Uma das mais emblemáticas criações de Luiz Gonzaga, o trio instrumental de forró é repetido e usado como referência principal de sonoridade até hoje por forrozeiros velhos e jovens. A sanfona ladeada de um zabumba e um triângulo é um dos símbolos mais fortes do forró, musicalmente e visualmente. O trio de forró não era uma formação corrente, foi Gonzaga que o concebeu e, a partir daí, a configuração passou a ser usada por seus seguidores.

Sendo a sanfona um instrumento bastante completo, que toca desde os baixos até os solos de uma música, e a música nordestina impregnada de um ritmo pulsante, feito para dançar, o Rei do Baião resumiu sua banda ao fole acompanhado de dois instrumentos percussivos e pulsantes.

O zabumba, evolução do melê, instrumento de marcação usado nos forrós de antigamente, tem o som grave de um tambor, marcando o coração do baião, e o ataque agudo de resposta, conseguido com o famosos "bacalhau" (tipo de baqueta). Se de um lado o zabumba faz a marcação com um som encorpado, Gonzaga trouxe para seu outro lado um instrumento de acompanhamento agudo, o triângulo.

O triângulo, até então, não era um instrumento usado comumente nos bailes e shows. Luiz Gonzaga ouvia vendedores de rua passando com seus triângulos, que tocavam para chamar atenção e atrair clientes. Imaginou aquele estalo metálico sendo tocado ritmicamente para acompanhar sua sanfona. Estava formado o trio de forró. Com essa formação, o Rei do Baião garantiu o remelexo e cadência típicas da nova música que criou. E, com ela, criou também o Nordeste, que trouxe impregnado na sanfona.

 

Um cabra de parceiros arretados

Luiz Gonzaga soube se cercar de ótimos letristas para seu reinado no baião

As definições contidas nos dicionários para a palavra parceiro são: "parelho", "semelhante, "companheiro". Para Luiz Gonzaga essa tradução é, essencialmente, verdadeira. A carreira de sucessos do Rei do Baião foi permeada de grandes parcerias. A primeira delas ele encontrou em casa. Seu pai, Januário José dos Santos, pode ser considerado, ao pé da letra, seu primeiro companheiro no mundo da música. Foi consertando instrumentos ao lado do pai que o "Velho Lua" aprendeu a tocar acordeão, dando início assim a um amor que carregou para o resto da vida.

Profissionalmente, a vida musical de Gonzaga só pode ser compreendida a partir do ano de 1939, quando sai do exército e vai para o Rio de Janeiro. O primeiro parceiro de Luiz foi o baiano Xavier Pinheiro, com quem foi morar no bairro de São Carlos e que futuramente criaria o filho do Rei do Baião. Juntos, eles tocavam em casas noturnas, os ditos "cabarés", ritmos como fado, choros, sambas, valsas, tangos, entre outros.

Sem tanto sucesso, Gonzaga passou a se apresentar sozinho nas ruas. Depois de ser indagado por estudantes nordestinos, ele concluiu que precisava mostrar em suas canções aquilo que a região tinha e significava.

Anos 40: a década de Humberto Teixeira e o "hino do nordeste" - Asa Branca

Luiz Gonzaga já tinha reconhecimento e compunha algumas canções, além de contar com as parcerias de Miguel Lima, Alcebíades Nogueira, Assis Valente  e Jeová Portela. Com o objetivo de dar mais características do Nordeste às suas musicas, Luiz inicia uma parceria com Humberto Cavalcanti Teixeira, um advogado cearense. Começa aí uma história de sucesso.

Humberto se formou em direito no Rio de Janeiro, mas também seguiu pelo caminho da música. Ele tinha composto sambas, marchas, xotes e algumas toadas quando teve o primeiro encontro com Luiz Gonzaga. O "Velho Lua" disse o que pretendia e Teixeira apostou."Humberto Teixeira foi quem acreditou primeiro no projeto de Luiz. Além da simpatia com o propósito, tinha capacidade, talento e inteligência para se tornar um dos seus grandes parceiros", analisou Renato Phaelante, que é pesquisador, escritor, produtor de rádio e TV, diretor de teatro e compositor.

Em 1947, Gonzaga e Teixeira, já criadores do ritmo "baião", apresentam Asa Branca, música de maior sucesso dos dois. A canção passou um bom tempo sendo idealizada pela dupla e é considerada por muitos o "hino do nordeste", já que retrata a saída de um nordestino de sua terra por conta da seca e todo sofrimento por conta disso. Eles ainda compuseram outras músicas que se tornaram grandes hits no país. Entre elas estão Assum preto e Respeita Januári, canção que é fruto da viagem que Luiz Gonzaga fez para reencontrar a família depois de anos trabalhando fora de Pernambuco.

Teixeira também tinha a política nas veias e, em 1954, se elegeu deputado federal. Ainda na área musical, foi eleito por três anos consecutivos como o melhor compositor do Brasil e teve músicas gravadas por cantores como Gilberto Gil, Fagner e Caetano Veloso.

Década de 1950: Gonzaga descobre Zédantas

Depois de alcançar o status de Rei do Baião, Luiz Gonzaga conheceu Zédantas, que era estudante de medicina e um músico vocacionado. O primeiro encontro deles ocorreu em 1947, no Recife. Dantas é pernambucano de Carnaíba das Flores, no Sertão do Estado.

Dantas nunca teve apoio de seu pai, José de Souza Dantas, para seguir no mundo da música. Se formou em medicina, mas continuou no universo musical. Por conhecer bem a região nordestina, Zé conseguiu falar com propriedade dos aspectos de sua terra.

Juntos, eles conseguem fazer uma década inteira de sucessos: Vem, morena, A dança da moda, Sabiá, São João na roça, Á-bê-cê do sertão, Riacho do Navio e Xote das meninas, que é uma das canções mais conhecidas.

"Considero Zédantas o mais importante dos parceiros de Gonzaga, pela identidade com seus objetivos de promover a cultura e o folclore Nordestino. Ele contribuiu para levar ao conhecimento do resto do Brasil os problemas, capacidade, talento e coragem do nordestino", explicou Phaelante.

Comparativo entre Dantas e Teixeira

Em duas décadas de sucesso, a comparação entre os compositores que acompanharam Gonzaga foi inevitável. Para o jornalista e professor José Mário Austregésilo, autor do livro o Luiz Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta, é difícil compará-los, mas revela detalhes sobre Dantas. "Não dá para fazer uma balança ou comparar, mas Gonzaga teve parceiros fantásticos. O parceiro-mor foi Zédantas. Luiz disse que quando o encontrou sentiu o cheiro de bode. O compositor reunia o que Gonzaga foi encontrando nos outros. Ele encontrou o que buscava".

De acordo com o pós-doutor e professor da Universidade Federal do Rio Grande  do Norte (UFRN) Durval Muniz de Albuquerque Júnior,  escritor do livro A invenção do Nordeste e outras Artes, Teixeira foi importante para Gonzaga dentro e fora do universo musical. "Até pela música símbolo da trajetória do Rei do Baião ter sido em parceria com Teixeira, eu diria que ele teve uma enorme importância, inclusive na articulação e sustentação política da carreira de Luiz, em dado momento, e na sua articulação ao regionalismo nordestino".

Entre os discípulos de Gonzaga, o músico Arlindo dos Oito Baixos revela sua preferência. "Eu gostava muito das músicas de Zédantas". Dominguinhos reforça a importância de cada um. "Acho que não existe um principal. Humberto tinha uma linguagem mais intelectual. Já Dantas era algo mais popular", comentou.

Mais sucessos com novas parcerias

A carreira de Gonzaga nos anos 50 não ficou apenas exclusiva a Zédantas.  Ainda nesta década, O Rei do Baião gravou músicas de Jorge de Castro, Guio de Morais, Sylvio Moacyr de Araújo, Manezinho Araújo, Lupicínio Rodrigues e outros. Quem mais conseguiu destaque foram o mineiro Hervé Cordovil, com quem Luiz mostrou o sucesso Vida de Viajante; além de Onildo Almeida, autor de A feira de Caruaru.

Na década de 60, outros nomes importantes entram em ação. Entre eles estão: Benil Santos, Raul Sampaio, Rosil Cavalcanti, Nelson Barbalho, Patativa do Assaré, Júlio Ricardo, Severino Ramos, Luiz Queiroga, Antônio Barros e José Clementino, além de Onildo - que ainda fazia canções com o "Velho Lua".

Nesta época, dois compositores chamaram a atenção. Um deles é Zé Marcolino. Ele nasceu em Sumé, na Paraíba, e sempre gostou da cultura nordestina. Tinha muita vontade de conhecer Luiz Gonzaga e depois de várias tentativas sem sucesso resolveu partir para o tudo ou nada. Quando o Rei do Baião se hospedou na sua cidade, ele se dirigiu até o hotel e tentou mostrar o seu trabalho.

Marcolino persistiu e com um bate-papo depois do show, Gonzaga o chamou para uma nova parceira e os dois rumaram para o Rio de Janeiro. Eles conseguiram emplacar outros sucessos como: Numa sala de reboco, Matuto Aperriado, Cacimba Nova, Serrote Agudo e Projeto Asa Branca.

Outra parceira importante desta década foi com João Silva. "Ele foi fundamental porque disse: 'Gonzaga, vamos cantar umas coisas alegres'. Ele provocou umas coisas em Luiz Gonzaga", detalhou José Mário Austregésilo.  

O compositor chegou ao Rio de Janeiro com 17 anos. Depois que se juntou com o "Velho Lua", os dois produziram muitas músicas que caíram no gosto popular, entre elas Piriri, Forró de cabo a rabo, A mulher do sanfoneiro, Lenha verde, Nem se despediu de mim, Meu Araripe, Uma pra mim outra pra tu, Pra não morrer de tristeza e Pagode Russo.

 

A moda

Chapéu de vaqueiro

Feito de couro, o chapéu foi sendo usado por Luiz Gonzaga, para aumentar sua identificação com a figura do vaqueiro.

Chapéu de cangaceiro

Com seus bordados e figuras geométricas, é um dos símbolos do Cangaço e da figura do cangaceiro.

Gibão

A vestimenta de couro usada pelos vaqueiros serve originalmente para protegê-los das farpas da vegetação seca. Para Luiz Gonzaga, é o manto que o identifica como o homem simples do sertão.

Sandálias de couro

O acessório é certamente o mais usado até hoje rotineiramente pelos nordestinos.

Cangaceiro

A primeira indumentária usada por Luiz Gonzaga para se identificar como nordestino foi a de cangaceiro. Luiz tinha verdadeiro fascínio pelo cangaço e colecionava vários itens relacionados ao tema.

Vaqueiro

Outra figura típica do sertão nordestino eternizada pelo Rei do Baião. Gonzaga foi substituindo a roupa de cangaceiro para cada vez mais se identificar com o vaqueiro.

 

Causos

A volta de Luiz Gonzaga para casa

As sanfonas de Gonzaga

 

O inventor do Nordeste

A invenção do Nordeste passa por Luiz Gonzaga

Rei do Baião foi fundamental na construção da identidade nordestina

A arte de Luiz Gonzaga teve a força de ultrapassar o aspecto puramente estético e musical, transbordando de seus discos para impregnar a identidade brasileira. Ao trazer o discurso, a musicalidade, os hábitos e a vestimenta do homem do sertão, o artista influenciou decisivamente na construção da identidade do povo nordestino. Foi Gonzaga quem incluiu a região Nordeste no imaginário brasileiro, até então dominado pelo Sudeste do país, ampliando as fronteiras da identidade nacional durante a era de ouro do rádio.

Até aparecer aquele sanfoneiro talentoso com a voz de "taboca rachada", não havia distinção, para os brasileiros, entre as regiões Norte e Nordeste do país. Os habitantes dessas regiões sempre foram tratados genericamente como "nortistas", identidade assumida até pelos próprios sertanejos, especialmente quando emigravam para o Sudeste.

Toda essa confusão, falta de conhecimento e a ausência de uma identidade nordestina reconhecível foram alvo da ação de Gonzaga ao transportar para o rádio e para os discos características típicas do sertão, transformando o Baião na música do momento e escrevendo um capítulo definitivo na cultura brasileira.

"Gonzaga abriu o caminho", afirma o sanfoneiro Dominguinhos, o principal seguidor do Rei do Baião, complementando que "Antes, falavam que éramos 'nortistas', depois de Luiz é que dividiram". Essa noção do Nordeste como lugar de personalidade própria impactou a noção de identidade do Brasil. "Luiz Gonzaga criou uma paisagem sonora, musical para esta região, muito importante, notadamente, para aqueles migrantes que estavam fora da sua terra e, ao ouvir suas canções no rádio ou em disco, podiam retornar imaginariamente", explica o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor do livro A invenção do Nordeste e outras artes, Durval Muniz de Albuquerque Júnior.

Para o jornalista, radialista, professor e pesquisador José Mário Austregésilo, autor do livro Luiz Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta, "Ele foi um criador de identidade, um tradutor, transportou o imaginário, a identidade, o jeito de falar, o ethos deste povo", avalia. "É claro que Gonzaga colocou o nordeste no mapa do Brasil", resume o sobrinho do Rei, o músico Joquinha Gonzaga.

Essa construção tem uma participação determinante do rádio. É neste meio de comunicação – o primeiro de massa – que o baião primeiro ressoa, e onde Luiz Gonzaga começa sua trajetória meteórica. O poder do rádio não foi ignorado pelo poder vigente, especialmente pelo presidente Getúlio Vargas, cujo governo interferia diretamente na programação. Havia um direcionamento claro pela busca de uma construção do Brasil como uma nação, dando espaço, portanto, para expressões artísticas de diferentes regiões do país, ainda que o centro político e econômico, além dos meios de comunicação, se concentrassem no Rio de Janeiro e em São Paulo.

"Luiz gonzaga carregava o mapa do sertão estampado nele", afirma o cantor e compositor Maciel Melo. "Ele canta as aves, as árvores, o ser humano, as profissões, os rios, os tipos populares, vai levando esse discurso que não tem dono nem fronteira para ser transportado para todo o Brasil", explica José Mário Austregésilo. Para Durval Muniz de Albuquerque, Luiz Gonzaga "Se revelou um artista extraordinário, que percebeu que havia uma região para a qual ninguém cantava ainda e assumiu esta tarefa".

Mas a construção desta identidade também tem contrapontos. É impreciso se referir uma identidade brasileira, ou mesmo uma nordestina. São muitas as vozes e nuances que habitam cada região, e a obra de Gonzaga é focada no homem rural, que vive da agricultura, enquanto ele mesmo vivia numa grande cidade, o Rio de Janeiro. A capacidade de sintetizar a cultura popular de Luiz Gonzaga também visitou outras regiões do país, como o próprio Norte.

 

Entrevistas

José Mário Austregésilo

Jornalista, professor, escritor e radialista, José Mário Austregésilo publicou o livro Luiz Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta, fruto da sua dissertação de mestrado. Na obra, Austregésilo identifica aspectos estéticos da oralidade e da imagética usadas por Luiz Gonzaga para construir a figura que o eternizou como representante do sertão.

Você considera Luiz Gonzaga um inventor do Nordeste?

"É mesmo. Talvez o mais importante, porque, à época de Gonzaga, você tem uma questão de 'lugar de fala', a região Nordeste, que era confundida com a região Norte. Como construir essa identidade? Luiz Gonzaga teve um processo de escuta importantíssimo. Quando ele dá baixa no exército e chega ao Rio de Janeiro, vai viver uma vida de músico profissional, como tocador e cantador de boate, essas coisas. Antes de compor coisas nordestinas, Gonzaga compôs valsas, boleros, foi um grande compositor de choros, sambas, e tocava tudo isso. Mas um grupo de estudantes cearenses, a que ele se refere no disco Gonzaga volta pra curtir, diz a ele: 'Toca alguma coisa do teu pé de serra. A gente quer ouvir uma coisa de lá para matar a saudade'. Quando tocou o Vira e mexe, ele emplacou. Daí em diante, o voo foi alto. Ele entrou no rádio, no meio de comunicação de massa, e quando levou a música, levou junto um universo muito forte do imaginário nordestino. O Baião virou uma grande novidade, virou a dança da moda. Então Gonzaga ditou moda com um novo conteúdo, porque dentro da sua música ia uma tradução oral de uma região. Ele leva esse imaginário e canta as aves, as árvores, o ser humano, as profissões, os rios, os tipos populares, o padre, o cangaceiro, o cego de feira, a rezadeira, ele vai levando esse discurso que não tem dono nem fronteira e vai ser transportado para todo o Brasil."

E qual a importância de Gonzaga nesta invenção do Nordeste?

"Ele foi um criador de identidade, um tradutor. Ele transportou o imaginário, a identidade, o jeito de falar, o ethos deste povo. O aboiador, o vaqueiro, os rios, o matuto que volta para casa, o grande problema que, vergonhosamente, ainda afeta o povo, que é a seca. Os nordestinos se identificaram com esse imaginário. Depois Gonzaga vai penetrando em círculos importantes da política, começa a atingir também as classes mais altas, que queriam saber o que era aquela novidade do baião."

Mas ele apenas transportou essa tradição para o Sudeste?

"A música de Gonzaga não era tradicional, é moderna. Ele construiu uma forma de cantar que não era a do pai, não era a dos cantadores que conhecia. Ele já criou uma forma muito forte e procurou parceiros maravilhosos. No meu livro eu digo que Luiz Gonzaga é uma espécie de Carmen Miranda de chapéu de couro e gibão. Essa sacada Carmen Miranda teve antes dele, quando foi para os Estados Unidos, ela deu essa marca brasileira lá fora, e Luiz Gonzaga fez isso aqui dentro. Ele escolheu um ícone muito forte para o nordeste que era a marca do cangaceiro. Até então a grande marca que representava a figura do sertanejo era uma figura criada por Monteiro Lobato chamada Jeca Tatu, que foi usado pelas campanhas contra a verminose e a febre amarela. Jaca tatu era aquele cara com uma barrigona, preguiçoso, sem coragem para trabalhar, cheio de lombriga. O próprio nordestino alimentou essa figura como nas quadrilhas, a calça remendada, o chapéu, pintavam o dente para fingir que eram banguelos, o povo assimilou um ícone que era totalmente falso. E Gonzaga resolve se vestir como cangaceiro, depois mudando para vaqueiro por conta dos problemas da violência em Exu, de família contra família. Ele foi o cara que conseguiu selar a paz lá. Ele foi icônico, pegou duas coisas fortes: a oralidade e a imagem, uma imagem inteiramente nova, completamente permeada de símbolos. Ele já fazia isso sozinho e, quando conheceu Zédantas, a coisa ficou mais séria, porque aí ele aprimorou a questão da oralidade com os causos, que são verdadeiras obras primas."

O que você considera determinante para o sucesso de Gonzaga, tanto comercial quanto em cristalizar o Nordeste no imaginário brasileiro?

"Ai entra a importância do Rádio e da indústria fonográfica. Na época, havia do governo uma preocupação da formação da identidade brasileira através do rádio. Isso foi determinante, a indústria e o rádio compram essa música porque viram que ela tinha público. O baião virou a dança da moda, então vieram os seguidores de toda parte do Brasil. A coisa começou a se proliferar em grupos e cantores, e outros que já cantavam samba, bolero, começaram a cantar o baião."

O que significou para a identidade brasileira a obra de Gonzaga, ao trazer o universo do sertão e do Nordeste para o imaginário nacional?

"O próprio Brasil se reconhecendo mais amplamente. Era uma visão limitada de si próprio, do próprio país. A hegemonia do centro-sul é tão grande, que ele não conseguia enxergar. A partir de Gonzaga os baianos fazem o Tropicalismo, que introduz a guitarra na música popular brasileira. Para o Brasil ainda não foi suficiente Luiz Gonzaga. Vamos lembrar de Euclides da Cunha, Câmara Cascudo. O Brasil tem um problema de comunicação, a centralização. Essa briga toda é para descentralizar essa comunicação do eixo Rio-São Paulo, e Gonzaga fez a parte dele e ampliou essa visão."

Durval Muniz de Albuquerque Júnior

O professor e pesquisador é Doutor em História Social pela Universidade Estadual de Campinas e Pós-Doutor em Educação pela Universidade de Barcelona. Autor do livro A invenção do Nordeste e outras Artes, traz uma visão histórica da construção do Nordeste e seus estereótipos, processos e atores.

Qual a importância cultural de Luiz Gonzaga e sua obra para o desenvolvimento da identidade do Nordeste e do nordestino?

"Luiz Gonzaga foi fundamental para popularizar a identidade nordestina que havia sido pensada e elaborada por uma elite intelectual e política a partir do final dos anos 1910. Ele deu a esta região uma sonoridade, definiu para ela o que seriam seus ritmos característicos, seus sons específicos, até mesmo sua maneira de cantar e dançar. A forma como pronunciava a língua portuguesa, eivada de erros se formos levar em conta a língua culta, também marca o que seria uma forma de falar, de se expressar. A indumentária que inventou para si mesmo, um misto de cangaceiro e vaqueiro, também irá construir, no imaginário nacional, o que seria uma forma típica de vestimenta do Nordeste. Os temas de suas canções reforçaram algumas imagens e uma dada forma de ver e dizer a região que já circulava na produção literária, sociológica, historiográfica, nos discursos políticos, jornalísticos, memorialísticos, etc."

É possível, na sua opinião, afirmar que Luiz Gonzaga foi um criador desta identidade nordestina?

"Podemos dizer que ele criou esta identidade no campo da música popular, que a veiculou tal como bebeu nos discursos regionalistas que precederam sua produção. Ele deu uma sonoridade, criou uma paisagem sonora, musical para esta região, muito importante, notadamente, para aqueles migrantes que estavam fora de sua terra e que ao ouvir suas canções no rádio ou em disco podiam retornar imaginariamente, podiam reconstruir por instante esta terra através dos signos sonoros que suas canções ofereciam (arrastar da alpercata no terreiro ou no salão de baile, o estalar do chicote, o aboio, os ruídos da feira, os sons dos animais etc). Ele criou um arquivo sonoro para a região, um arquivo de signos musicais, além de inventar um ritmo novo, o baião, usando três instrumentos que passaram a significar o próprio regional. Inventa uma música nova, fruto do cruzamento de suas experiências rurais e urbanas, mas a define como tradicional e a remete para o passado, como faz todo o discurso regionalista que inventou o Nordeste que o ancora no passado, na tradição, aí o novo, o moderno sempre é dito tradicional."

O que foi determinante na atuação de Gonzaga para que ele tivesse sucesso e conseguisse incluir o Nordeste na identidade brasileira?

"Além de seu talento como músico, que era indiscutível, de ter se cercado de excelentes letristas, Gonzaga surgiu no momento em que o governo Vargas estava investindo claramente numa política cultural de cunho nacionalista, é o primeiro governo que tem no Brasil uma política cultural voltada para definir e valorizar o que seriam as manifestações culturais nacionais identificadas como populares. O rádio, e a Rádio Nacional, empresa oficial, única que tinha alcance nacional, teve um papel decisivo na realização desta política. É na Rádio Nacional que Gonzaga ganha seus primeiros programas de calouros, é lá que consegue seu primeiro contrato, pois ele atende às expectativas que a emissora tinha visando combater os separatismos regionais, dos quais a Revolução Constitucionalista de São Paulo tinha sido a maior expressão. O nacional como somatória de suas regiões. Gonzaga resolve trajar-se de nordestino, de assumir esta identidade porque encontra na Rádio Nacional outros artistas que já se diziam representantes de seus estados ou regiões. Ele é fruto de uma época, de um dado contexto histórico, mas que se revelou um artista extraordinário, de muita sensibilidade e argúcia na direção de sua própria carreira, ele percebeu que havia uma região para a qual ainda ninguém cantava e ele assumiu esta tarefa, motivado pelo clima de época."

O que significou para a cultura brasileira a percepção do Nordeste como uma região de características, costumes, cultura e expressão artística próprias?

"O regionalismo nordestino deu à cultura brasileira obras de muito valor, a de Gonzaga é uma delas, mas marcou também a região de uma forma muito negativa no imaginário nacional e a obra de Gonzaga também teve consequências negativas quando se trata da forma como o Nordeste e os nordestinos são vistos. A primeira delas a própria ideia de que o Nordeste é homogêneo do ponto de vista natural e cultural, que o Nordeste se resume ao sertão e o sertão à seca, e que existe algo como a cultura nordestina. Eu acabo de escrever um livro mostrando como isso foi inventado historicamente. A diversidade e heterogeneidade cultural deste espaço são apagadas, desconhecidas em nome dessa homogeinização identitária. A Bahia é muito distinta não só do Ceará, como internamente. O mesmo ocorre em relação a qualquer estado nordestino que você analisar. Não existe uma única cultura nordestina e na medida em que a região foi se modernizando e urbanizando, isto se torna mais caricato ainda. Ao fundar uma identidade na ideia de tradição, ao enfatizar o passado, o rural, levou-se ao desconhecimento do que há de moderno, de urbano, na região. Ao tomar o sertão como metonímia do Nordeste e cantar a seca, o êxodo rural, a penúria, e veicular o discurso da seca, ele terminou por reduzir a causas naturais problemas que eram consequência das relações econômicas, sociais e políticas presentes neste espaço. O uso do que seria uma forma de falar, uma linguagem regional, terminou por marcar os nordestinos como analfabetos, simplórios, iletrados, pouco afeitos ao trabalho intelectual, ajudou a inventar o que seria um nordestinês que nós, que vivemos na região, sabemos ser um estereótipo, pois os moradores do sul do Ceará não falam como os de Fortaleza, os de Petrolina não falam como os recifenses. Não quero dizer que ele tenha feito nada disso intencionalmente, mas tudo o que fazemos tem consequências que às vezes nos escapa completamente. Querendo valorizar, pode ter contribuído para estigmatizar, este é o perigo dos discursos regionalistas e nacionalistas."

 

O legado

Parque Aza Branca: onde Gonzaga plantou seu legado

Rei do Baião constriu seu próprio memorial

Ciente da importância do seu trabalho, definidor da identidade nordestina com sua letras, ritmos e melodias que traduziram a vida e o sentimento do sertanejo, Luiz Gonzaga – talvez antes de qualquer outro – idealizou seu próprio memorial. Como todo homem apegado à sua terra e origem, o Rei do Baião planejou voltar ao local onde nasceu após rodar o Brasil com sua música. E lá deixou plantado o seu legado.

Em 1964, Gonzaga comprou um sítio em Exu e o transformou no Parque Aza Branca. Na sua cidade natal, imaginou um espaço dedicado à sua memória e obra e, por extensão, ao sertão, suas paisagens, rios e pássaros, seus habitantes. Aos poucos, foi construindo seu parque, até se mudar para lá em 1982. Antes, já havia feito uma casa para que seu pai, Januário, morasse.

Seu Luiz cita a noção de que seu legado mereceria ser bem guardado ainda em 1967, nos versos da canção A hora do adeus:

Minha sanfona minha voz o meu baião
Este meu chapéu de couro e também o meu gibão
Vou juntar tudo dar de presente ao museu
É a hora do Adeus
De Luiz rei do baião

Luiz Gonzaga morreu em 1989 sem conseguir terminar o Parque Aza Branca. Quem concluiu a obra foi seu filho, Gonzaguinha. Mas o herdeiro também morreu algum tempo depois, em 1991, de forma trágica, em um acidente de carro. A outra filha de Gonzaga, Rosinha, decide então vender o parque, que é adquirido pelo empresário Zito Urbano. Com falecimento de Zito, em 1996, voluntários criaram o Grupo Viva Gonzagão, que mais tarde se transformou na Ong Parque Aza Branca. Quem conta esta história é o atual presidente da Ong, Júnior Parente.

O Parque

Na ampla área estão hoje diversos espaços que guardam objetos e eternizam a vida e a obra de Gonzagão. Ao lado da entrada, os visitantes encontram uma casa de reboco que simula uma casa típica do homem sertanejo, com utensílios comuns aos moradores desta região. O parque ainda abriga o Museu Luiz Gonzaga, a casa em que ele morou, a casa que construiu para seu pai, lanchonete e um bazar para os visitantes comprarem lembrancinhas.

O Mausoléu onde estão os restos mortais do Rei do Baião e de sua esposa, Helena, também fica no Aza Branca. Na área aberta, estão dois palcos – um pequeno, construído por Gonzaga, e um grande, construído depois da sua morte. O complexo dedicado à memória do Rei do Baião ainda tem uma pousada – onde Gonzaga abrigou muitos músicos – e a sede do Ponto de Cultura Parque Aza Branca.

O local atrai visitantes de várias regiões do Brasil. "Este ano, o fluxo de pessoas no Parque Aza Branca triplicou por conta do centenário de Luiz Gonzaga", afirma Ilaite Carvalho, tesoureira da Ong Parque Aza Branca. Em 2012, o parque tem recebido em média 3 mil visitantes por mês. É o caso da estudante universitária do curso de Letras Mariana Santiago, que veio conhecer o Aza Branca com mais nove colegas de faculdade.

Museu

A primeira vitrine que o visitante encontra quando entra no Museu Luiz Gonzaga resume iconicamente a construção do forró e do cancioneiro nordestino que o artista encarnou. O gibão utilizado pelo rei e os instrumentos musicais que ele reuniu para criar o típico trio de forró – sanfona, zabumba e triângulo – introduzem o passeio pelos objetos reunidos no memorial.

O Museu também guarda outras relíquias como a primeira sanfona adquirida por Luiz Gonzaga, vendida por ele quando fugiu de casa e readquirida por seu pai anos depois; as dezenas de títulos de cidadania concedidos ao Rei do Baião por várias cidades do Brasil (Rio de Janeiro, Guarulhos, Feira de Santana, São Paulo e Salvador, entre várias outras, além do Estado do Maranhão); e as homenagens recebidos por Gonzagão em diversas placas que recebeu em vida.

Também estão na exposição objetos pessoais do cantor como bengala, óculos e até um aparelho auditivo, que ele usou nos seus últimos anos de vida. A sanfona que o Rei do Baião usou para tocar para o Papa João Paulo II também está exposta, ao lado das roupas usadas no mesmo dia. Ainda está lá a cadeira de rodas que Gonzagão usou quando doente. Diversas biografias publicadas sobre Gonzaga também estão reunidas no Museu, que ainda guarda inúmeras fotos.

A Casa de Luiz Gonzaga

Quando comprou a fazenda que viria a ser o Parque Aza Branca, Gonzaga reformou a casa grande para morar nela. A ampla casa mantém características de quando Gonzagão era vivo: os móveis estão no mesmo lugar e é possível encontrar a TV que Gonzaga assistia, a enorme mesa de jantar, sofás e quadros. Chama atenção o viveiro de asas brancas que o artista mandou construir. A ave típica do sertão foi imortalizada na mais importante canção já gravada pelo Rei do Baião.

É possível ver a biblioteca, a coleção de discos de vinil, máquina de escrever e roupas de Gonzagão, além da sua coleção de itens relacionados ao cangaço. Armas, roupas e cartucheiras que pertenceram ao bando de Lampião compõem um acervo que Gonzaga queria utilizar para fazer um museu sobre o cangaço. Na cabeceira da cama do Rei repousa um terço, resumindo a religiosidade do homem simples sertanejo.

Passeie pela casa de Luiz Gonzaga:

As pessoas que trabalham no Parque Aza Branca hoje são voluntárias, e recebem apenas uma ajuda de custo de R$ 290 por mês. "As pessoas que aqui estão, estão porque amam Luiz Gonzaga e querem ver isso aqui preservado", ressalta Júnior Parente. O espaço não conta com subsídios públicos para sua manutenção, ou mesmo patrocínios privados. "Todos os recursos para a manutenção do Parque vêm exclusivamente do que nós conseguimos arrecadar com o ingresso para entrar no museu e a venda de lembranças no bazar", afirma o presidente da Ong Parque Aza Branca.

As ações do poder público têm sido pontuais, como reformas de alguns espaços e apoio a determinados eventos. As atividades do parque incluem oficinas de sanfona, dança, artesanato de couro e teatro, envolvendo crianças e jovens da região, e eventos anuais, destacando-se a Festa da Saudade, realizada em agosto marcando a data de morte de Luiz Gonzaga, e a festa Viva Gonzagão, que acontece todo mês de dezembro na ocasião da data de nascimento do Rei do Baião.

Em 2012, ano em que se comemora o centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, a festa vai ser especial. Uma ampla programação musical com alguns dos mais importantes seguidores de Gonzagão, como Dominguinhos, Fagner e Gilberto Gil, além de dezenas de forrozeiros, será realizada pelo Governo do Estado em Exu e no Recife entre os dias 13 e 16 de dezembro (www.gonzaga100.com). O Parque Aza Branca abriga boa parte da programação.

Para o presidente Júnior Parente, a atenção tem que ir além da música e de eventos. O sertão do Araripe está vivendo a pior seca das últimas décadas, acarretando grandes perdas e sofrimento para o povo sertanejo, tão cantados por Luiz Gonzaga em toda a sua carreira. A seca sabidamente não atingiria tanto o habitante da região se houvessem políticas sérias e consistentes para o problema. Mas, historicamente, a situação é a inversa: a seca virou uma indústria de votos a políticos assistencialistas, para quem a extinção do problema significaria a sua própria extinção. "Combater a seca é também homenagear Gonzagão", avisa Parente.

Dentre os voluntários que se dedicam a eternizar a obra do Rei do Baião, um é especial: Seu Praxedes conheceu Luiz Gonzaga em 1968, quando começou a trabalhar para ele. Hoje, aos 80 anos de idade, o vaqueiro guia os visitantes pela Casa de Januário e tem histórias de uma vivência única com um dos mais importantes artistas brasileiros. "Queria muito que Luiz fosse vivo hoje para dar um abraço nele e parabenizá-lo pelos seus 100 anos", diz Praxedes. Confira o vídeo:

 

O padrinho Gonzaga

Luiz Gonzaga também ficou caracterizado por ajudar outros artistas a concretizarem suas carreiras

Sabedor das muitas dificuldades para alcançar tudo o que conquistou, Luiz Gonzaga também ficou conhecido por ser padrinho e exemplo para muitos outros artistas. A lista é grande e nomes como Marinês, Ivan Ferraz, Dominguinhos, Elba Ramalho, Arlindo dos Oito Baixos, Camarão, Azulão e Joquinha estão presentes entre os agraciados pelo "Velho Lua".

José Domingos de Morais, o Dominguinhos, é um dos apadrinhados de Luiz Gonzaga que mais conseguiu projeção musical. Ele relembra o início desta história. "Começou quando eu tinha 13 anos, na época em que fui com meu pai e meu irmão para o Rio de Janeiro. Meu pai precisava de ajuda e procurou Gonzaga, que me deu uma sanfoninha de 80 baixos. A partir daí, eu aprendi o caminho da casa dele e todo dia ia lá", explicou o cantor, que estava sempre na companhia do Rei do Baião.

O mestre não esqueceu dos "seus" e deu força para que seu sobrinho, Joquinha Gonzaga, também enveredasse pelo ramo musical. "Por eu estar sempre com ele, foi muito natural. Luiz visitava sempre a irmã dele, que é a minha mãe. Quando eu tinha entre 12 e 13 anos, me deu a primeira sanfona de oito baixos. Depois, eu fui aprendendo com ele e evoluindo. Graças a ele, eu sigo esse caminho até hoje".

Arlindo dos Oito baixos recorda que além de dar sanfonas e incentivo aos novos músicos, Luiz Gonzaga também ajudava financeiramente alguns deles. O próprio Arlindo recebeu esse apoio do Rei do Baião:

Elba Ramalho comentou a influência do Rei do Baião em sua obra. "Foi muito importante no meu trabalho e no de qualquer artista que pertence a essa nação nordestina e que busca naquela fonte que jorra coisas maravilhosas uma identificação, uma realidade de alegria, musicalidade, harmonia e poesia. Tudo isso está na obra de seu Luiz", destacou a cantora. "Ele foi tudo para mim e me ensinou até como subir ao palco para tocar", completou Arlindo dos Oito Baixos, que passou 22 anos viajando com o "Velho Lua".

Apesar de ser grande referência para os seus apadrinhados, Gonzaga também deixava-os livres para ampliar o leque musical. "Em 1964, gravei o meu primeiro disco, de nome "Fim de Festa", sem nenhuma interferência de Gonzaga, mas trazendo músicas nordestinas. Ele ouviu e gostou. Segui minha vida artística tocando várias coisas. Gonzaga abria o caminho. Já saí em excursão com ele pelo país e fazia as apresentações antes dele, tocando músicas de ritmos variados, incluindo também o próprio baião", recordou Dominguinhos, que depois de uma temporada no Espírito Santo, retornou ao Rio de Janeiro com desenvoltura em samba, samba canção e bolero.

O apadrinhamento do Rei do Baião com outros artistas conseguiu romper, inclusive, os limites da escala musical, como confirma Elba Ramalho. "O momento mais importante com Gonzaga foi quando eu tive meu filho, o Luã. Luiz passou o dia comigo, foi para o hospital e abençoou meu filho ali, naquele instante. Nesse momento, eu reconheci que havia uma conexão muito maior do que ele ser, simplesmente, o Rei do Baião e eu ser uma discípula dele", recordou a cantora do fato ocorrido em 24 de junho de 1987.

Com os sorrisos ao falar do mestre, Dominguinhos valoriza cada momento na qual esteve na companhia de Gonzaga. "Todas as lembranças são ótimas. Ele foi um verdadeiro pai, instrutor. Ah, meu irmão, eu fui muito feliz. Sabia pedir e mandar... Escutou muitas ordens no exército, né? (risos). Ele fazia muitas revoluções, mas nunca deu um tiro na vida. Tinha que ser músico mesmo" completou.

Dominguinhos ainda relembrou que seu nome artístico foi uma hipótese levantada por Gonzaga. No momento em que a imprensa estava reunida, o Rei do Baião disse: "Esse cabra da peste é o meu herdeiro musical", se referindo ao jovem Dominguinhos, que tinha apenas 16 anos. A alcunha também é uma homenagem a Domingos Ambrósio, que ajudou Gonzaga a aprimorar os conhecimentos que tinha no acordeão, no tempo em que o mestre do baião serviu ao exército na cidade mineira de Juiz de Fora.

A mesma situação aconteceu com Arlindo dos Oito Baixos e Joquinha Gonzaga. "Na nossa família, o único Gonzaga era ele. Quando fiz meu primeiro cartaz, eu coloquei `Joquinha`. Ele disse: `vamos mudar isso? eu autorizo você a usar o meu sobrenome. E assim ficou `Joquinha Gonzaga`", recordou o cantor.

Ainda de acordo com Elba, determinação, coragem, força, fé e alegria eram algumas das características encontradas no legado deixado por Luiz Gonzaga. "Era uma pessoa bem humorada. Apesar de todas as dificuldades da vida, ele chegava e tinha muita satisfação, primava pela nossa cultura popular e pelas nossos elementos: a natureza, os personagens... Tudo está na sua obra. É um legado para qualquer artista que queira ser a tradução da sua região", analisou.

Como gratidão, Arlindo dos Oito baixos deixou um recado para o Rei do Baião. "Sei que ele está em um bom lugar. Diz o povo que tudo que se faz em homenagem a sua memória, ele está acompanhando. Se ele estiver escutando, eu vou sempre agradecer. Gonzaga foi um homem muito bom para mim e me ajudou bastante. De mim, ele sempre vai ouvir conversas boas e bonitas", pontuou.

Confira abaixo uma das homenagens feitas por Elba Ramalho ao Rei do Baião, em uma apresentação feita no Recife, quando canta "Vida de Viajante", composição de Luiz Gonzaga com Hervé Cordovil.

 

O forró no centenário de Gonzaga

Como anda a musicalidade eternizada pelo Rei do Baião no ano do seu centenário de nascimento?

O legado musical de Luiz Gonzaga já mostrou ser capaz de transcender o tempo. A força do baião, do xaxado e do xote atravessou décadas e enfrentou altos e baixos em diferentes épocas, mas o forró resistiu e hoje, em Pernambuco, o estilo mostra-se revigorado e continua atraindo adeptos. A sonoridade, os trejeitos e o figurino criados por Gonzaga ainda inspiram inúmeros músicos, que seguem seus passos 65 anos depois da gravação da clássica Asa Branca.

A ocasião dos cem anos de nascimento do 'Inventor do Nordeste' mostra a longevidade da sua obra. O impacto da novidade trazida por Luiz Gonzaga ainda ressoa, inspirando poetas e cantadores, compositores e até artistas pop. Referências à obra de Gonzagão podem ser identificadas no liquidificador sonoro da Tropicália, movimento feito em sua maioria por nordestinos emigrados, assim como o próprio Seu Luiz. Em Pernambuco, na década de 1970, a geração Udigrudi também mergulhou na sonoridade do forró, misturando ritmos e melodias nordestinos com a psicodelia e o rock.

Assim como o baião foi, nas décadas de 1940 e 1950, a "dança da moda", seu prestígio diminuiu com a chegada de outras modas musicais, especialmente a Bossa Nova e a Jovem Guarda. Os anos de 1980 também não foram os mais pujantes para o forró que, no entanto, nunca saiu dos ouvidos e vitrolas de vários brasileiros e começou a ser conhecido no exterior, particularmente na Europa.

Nos início dos anos 2000, o sucesso nacional do grupo paulista Falamansa colocou novamente o forró na moda, fazendo com que muitos jovens – nordestinos ou não – se interessassem em ouvir as músicas do Rei do Baião. Essa movimentação ficou conhecida como "Forró Universitário", e deu novo gás à estética condensada por Luiz Gonzaga em sua música. Em Pernambuco, terra natal de Luiz Gonzaga, houve uma revalorização da tradição cultural local, impulsionada pelo Manguebit, que também alimentou o forró, a partir da segunda metade dos anos 1990.

O baião, o xote, o xadado, a música de forró nunca deixou de fazer parte ambiente sonoro pernambucano. "Pernambuco sempre cultivou essa história, Recife é a única capital que sempre manteve acesa a chama do forró", afirma o cantor e compositor Maciel Melo. O centenário de nascimento de Luiz Gonzaga, que acontece neste ano de 2012, também foi um impulso para o estilo, já que inúmeras homenagens foram feitas ao Rei do Baião durante todo o ano. CDs, DVDs, releituras, shows temáticos e os mais variados eventos citaram, reverenciaram, valorizaram a figura e a poética de Gonzagão, incluindo a Escola de Samba Unidos da Tijuca, campeã do carnaval carioca deste ano com o enredo 'O dia em que toda a realeza desembarcou na avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão'.

"Temos trios de forrozeiros na Áustria, Alemanha, Holanda, Portugal, Inglaterra, França e outros países", avisa o cantor Santanna, que considera bom o momento para o forró. "Sobrevivo disso e não tenho do que reclamar", completa. "O forró está bombando em Nova Iorque", reforça Tereza Accioly, presidente da Associação de Forrozeiros Pé-de-serra e Ai, citando a existência de casas de show na maior cidade do mundo tocando a sonoridade nordestina.

"Até quem não gostava de forró está cantando luiz gonzaga", brinca Maciel: "Espero que isso não fique só neste ano, que continue como a gente sempre fez". Se o forró se manteve vivo, durante a última década e meia foi ganhando corpo e se profissionalizando. No Recife, um exemplo claro deste momento é exatamente a Associação dos Forrozeiros Pé-de-serra e Ai, que reúne grande parte dos artistas, dá suporte jurídico, atua junto ao poder público e mantém um programa de rádio tocando, entrevistando, noticiando e propagando o universo forrozeiro.

Hoje a associação tem mais de 200 artistas cadastrados. "O legado que Gonzaga deixou para nossos artistas é tão grande que a gente consegue sobreviver dele o ano todo", explica a presidente Tereza Accioly, avaliando que o forró vive um bom momento, apesar de haver uma deficiência de espaço no rádio. Há um circuito de casas de show especializadas que mantém um programação permanente e consegue atrair público e artistas, que têm trabalho e conseguem viabilizar sua carreira.

Tereza reforça a importância dos músicos se profissionalizarem, conhecerem a figura jurídica do empreendedor individual, e ressalta que há uma nova geração interessada em deixar viva a musicalidade do forró. "Os jovens forrozeiros estão muito integrados às redes sociais, estão se divulgando e formando a plateia deles na internet", diz.

A longevidade da música depende também da sua capacidade de se adaptar e atrair artistas jovens. "O forró é um mundo musical muito rico. É xote, xaxado, galope, aboio...", explica o compositor Miguel Marcondes, do grupo Vates e Violas. Para ele, há quem se prenda a apenas uma fase da longa trajetória de Luiz Gonzaga, que foi naturalmente incluindo novos instrumentos e sonoridades ao baião com a passagem do tempo. "Tem que misturar as sonoridades, dar uma oxigenada no forró", opina Marcondes.