Além do poder público, a sociedade civil pode contribuir formalizando denúncias contra casos de trabalho infantil. Saiba como é o procedimento
A cultura de que o “trabalho enobrece” é usada por muitas pessoas para justificar as atividades serviçais de crianças e adolescentes. Porém, é preciso observar os impactos que esse exercício pode causar. E não são poucos. O universo do trabalho é adulto e não respeita nenhuma etapa de desenvolvimento de uma criança, pelo contrário, prejudica. Uma criança que é submetida a começar a trabalhar muito cedo pode não só comprometer a sua saúde, como também a sua educação e o seu desenvolvimento.
Um dos principais serviços de utilidade pública do governo federal é o Disque 100, vinculado à Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), destinado a receber demandas relativas a violações de direitos humanos. As denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização de todo o Brasil, respeitando a competência e as atribuições específicas, porém, priorizando qual órgão intervirá de forma imediata no rompimento do ciclo de violência e proteção da vítima.
Segundo o procurador do Ministério Público do Trabalho de Pernambuco (MPT/PE) – um dos órgãos que recebe denúncias do Disque 100 -, Rogério Wanderley, as denúncias possibilitam que as entidades de fiscalização tenham conhecimento, possam tomar as medidas cabíveis e os encaminhamentos necessários para erradicação do trabalho infantil. O procurador explica as linhas de atuação utilizadas pelo MPT após identificação das denúncias.
“Existe o trabalho infantil como mazela social, quando uma criança é identificada na rua trabalhando como comerciante, por exemplo, e existe a exploração do trabalho infantil, quando um adulto submete a criança a realizar um determinado trabalho. No primeiro caso, verificamos as causas daquela situação e realizamos um trabalho de sensibilização e mobilização para que tanto ela, como os pais ou responsáveis, entendam que criança não deve trabalhar. No segundo, identificamos o responsável pela exploração e encaminhamos um Termo de Ajuste de Conduta, sob pena de multa para que haja o fim daquele trabalho – caso não seja cumprido, o responsável é submetido a uma ação judicial”, detalhou.
De acordo com a SDH, em 2016 foram registradas 125 denúncias contra o trabalho infantil no Estado de Pernambuco, 105 a mais do que em 2015. Comparados aos dados dos últimos seis anos, os informes diminuíram consideravelmente.
Somando as denúncias dos anos de 2011 e 2012 em Pernambuco, o Disque 100 recebeu 1002 informações contra o trabalho infantil. Já de 2013 para 2016, a quantidade caiu de 434 para 125. Números que contrapõem às estatísticas da PNAD, realizada pelo IBGE a nível nacional, uma vez que houve acréscimo de 100% nos casos, entre 2014 e 2015, passando de 2 mil registros para 4 mil – crianças de 5 a 9 anos de idade -.
Os dados do Sistema de Informações de Agravo de Notificação (Sinai), do Ministério da Saúde, também assustam. O Sistema registrou a morte de 187 crianças e adolescentes com idades entre cinco e 17 anos durante o trabalho de 2007 a 2015. Outros 518 jovens tiveram a mão amputada em acidentes de trabalho, num total de 20.770 casos graves envolvendo pessoas menores de 18 anos.
Em relação à queda do número de denúncias dos últimos anos, Ricardo Oliveira, coordenador do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec), que faz parte do Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil em Pernambuco (Fepetipe), afirma que devido à redução de intervenção do Estado, de ações preventivas e de sensibilização, o trabalho infantil se tornou uma “coisa aceitável”, justificada até mesmo pela crise. “As pessoas têm que ter a compreensão que o trabalho é extremamente nocivo às crianças. Tem que haver o ato mínimo de não aceitar nenhum tipo de serviço de uma criança e adolescente. Sempre que possível formalizar uma denúncia e não ser conivente com a situação. O trabalho infantil não pode ser nunca visto como uma alternativa para a sobrevivência ou o sustento familiar”, salienta.
Ricardo ressalta o quanto é importante denunciar o trabalho infantil. “Quanto mais denúncias, maiores serão as estatísticas, comprometendo o poder público para que sejam realizadas medidas mais eficazes. Mais campanhas de conscientização, mais mobilização para diminuir essa prática que só prejudica a infância das crianças”.
Mobilização
Hemi Vilas Bôas, analista de projetos sociais do Centro Integrado Empresa-Escola (CIEE), que compõe a coordenação Fepetipe, explica que há mobilizações pontuais que são realizadas anualmente para o combate do trabalho infantil. “Nós temos o 12 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e a Marcha Pernambuco Contra o Trabalho Infantil - realizada na semana do Dia das Crianças. Essas ações têm o objetivo de sensibilizar e mobilizar não só as pessoas da gravidade que é o trabalho infantil, mas principalmente o poder público. Nosso trabalho é provocar para que haja a realização de políticas públicas mais eficazes”, explana.
Para mobilizar e conscientizar a sociedade de que o problema precisa ser combatido, o Ministério Público do Trabalho lançou, em fevereiro deste ano, uma campanha nacional, intitulada #Chegadetrabalhoinfantil, com o apoio de personalidades da música e dos esportes (os cantores sertanejos Daniel, Chitãozinho e Xororó, o ex-jogador de vôlei Maurício Lima e a ex-jogadora de basquete Hortência Marcari). Voltada para o ambiente online, a campanha busca o engajamento dos internautas nas redes sociais, incentivando-os a postar o gesto da “hashtag” em seus perfis como forma de apoio à causa contra o trabalho irregular de crianças e adolescentes. Confira um dos vídeos da campanha com o cantor Daniel:
“Estudos recentes apontam para um grande número de crianças e adolescentes submetidos ao trabalho irregular no Brasil, e isso traz preocupação ao Ministério Público. Não podemos combater o trabalho infantil sem que haja o engajamento da sociedade. As personalidades que apoiaram a campanha assumiram o compromisso por um Brasil melhor, em que as crianças possam se focar unicamente em brincar e estudar. Esperamos, com isso, despertar o envolvimento das pessoas, de forma a torná-las defensoras da causa e replicadoras da mensagem”, afirma a procuradora do MPT Marcela Monteiro Dória.