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Engraxate: a arte de iluminar os pés de quem passa

O polimento é feito na hora, basta sentar e pedir. Já o tempo para retocar a graxa é de no mínimo sete dias. A qualidade com o trabalho e o apreço pelas peças são elogiados por todos os seus clientes. “Faz mais de 10 anos que engraxo com ele e venho sempre de mês em mês. Como passo na correria, não tem melhor pessoa para me atender. É um homem competente e tem zelo pelo que faz”, exalta Manoel Marcelino, que é funcionário público federal e tem 58 anos.  

Entre os mais antigos clientes está José Antônio, 75 anos, que mora em Natal e faz questão de, sempre quando vem visitar a família em Pernambuco, passar no seu Isaías para engraxar os sapatos. “Quem tem uma profissão dessa aqui tem que se orgulhar. Dessa qualidade aqui não tem não. Eu sou fiel ao trabalho dele porque sei que vale a pena sair de outro Estado só para polir meus sapatos. Não é nem porque ele engraxa barato, é porque o serviço é perfeito”, enaltece o cliente há mais de 15 anos.

Isaías relata que há muito tempo a companheira de trabalho era feita de madeira. Amarrada a correntes, a caixa não durava muito, pois passava noites e dias fixadas nas colunas e, por conta disso, levavam muita chuva, sol e forte ventos, o que desgastava constantemente o material de trabalho. Até chegarem as de alumínios, dadas pela  Legião Brasileira de Assistência (LBA) e pelo governador na época, Jarbas Vasconcelos, foi sofrido. Apesar disso, hoje é nítido ver a ferrugem que já consome o equipamento tão usado pelo engraxate.

Nascido no dia 29 de abril de 1952 em Bezerros , município localizado a mais de 100 km de distância do Recife, ele revela que a decisão de vir morar na capital foi a melhor escolha. Como naquela época não haviam muitas oportunidades no interior, foi na Av. Guararapes, no ano de 1970 que ele encontrou a profissão de engraxate e de lá para cá sobreviveu apenas disso. Naquele tempo, era barato engraxar um sapato, mas ainda assim o dinheiro valia muito mais do que o conquistado hoje.

 

Resistente às mudanças na Guararapes, Isaías sabe que o ofício exige dedicação, atenção e silêncio.  Para o profissional, o segredo é limpar bem e tirar todo o pó da peça, só assim a graxa vai penetrar no couro, que vai ficar brilhoso e bem conservado. A companheira de trabalho é uma caixa de alumínio, na qual guarda todos os materiais e é montada justamente pelo tamborete e o assento instalado na parede.

Sob a marquise de um dos mais antigos edifícios da Avenida Guararapes, na área central do Recife, Isaías Gregório de Araújo escuta cada passo de quem caminha ao seu redor. Ocupando uma pilastra do prédio do Centro Universitário Joaquim Nabuco (UNINABUCO), o homem de 65 anos se senta num tamborete para observar o movimento da rua e ampara o rosto - bem conservado para idade, com uma das mãos ainda manchada pela graxa do dia anterior.

 

Enquanto a cadeira fixada na coluna à sua frente está vazia, um dos mais antigos engraxates - homens responsáveis pela limpeza e polimento em calçados, da redondeza volta ao passado para contar os tempos de glória da profissão, quando cada pilastra da Avenida tinha um ilustrador preparado para polir os sapatos de quem parasse.

 

Construída entre os anos de 1920 e 1937 para trazer a modernidade à cidade do Recife, a Avenida Guararapes, uma das mais importantes artérias da capital pernambucana, por muito tempo foi vista como cartão postal da cidade. Esquecida pelo tempo e pelo crescimento de outras vias da região, quem ficou por ela acabou também sendo  atropelado pela contemporaneidade. Como é o caso dos engraxates e, consequentemente, de seu Isaías.

Começando a organizar os materiais para atender o primeiro cliente do dia, o trabalhador lembra que o grande aumento dos ilustradores na Guararapes nos primeiros anos da nova avenida foi devido ao também grande número de empresas que funcionavam no centro pulsante da cidade. "Aqui era lotado, não tinha um que ficasse sem cliente porque toda tarde, homens de paletó, gravata e sapatos de couro se sentavam aqui nessa cadeira para engraxar o sapato", comenta,  apontando para o assento pregado a sua frente na pilastra.

 

Ofício de décadas, que se mantém fiel às raízes, há muito tempo a tradição vêm competindo com a massiva popularização dos tênis de pano e demais tendências da indústria calçadista para se manter viva e iluminar os sapatos de couro.

 

Antigamente, entre a Ponte Duarte Coelho e Avenida Dantas Barreto, esses profissionais ocupavam, cada um, uma pilastra. Hoje, o reduto dos engraxates da Guararapes, conta com 10 pontos do serviço. O que para muitos pode ser visto como uma quantidade boa, Isaías analisa com temor. “Há muitos anos atrás, cada pilastra desses prédios tinha um engraxate. Mas se você contar agora não tem nem 15. Eram muito mais de 30”, relembra. Ele ainda justifica que, além de a maioria das empresas que funcionavam naquela época terem fechado, são poucos os que usam sapato de couro hoje em dia para ir ao Centro.

Decorrente de acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, quando por exemplo apareceram os primeiros garotos que enceravam as botas dos militares em troca de alguma moeda, desde o ano de 1806 a profissão de engraxate tem se misturado à cena urbana e “aos pés da cidade” para observar a pressa ou a calmaria de quem caminha pelos centros à procura de polimento em calçados.

 

O local de trabalho sempre foi muito simples. Normalmente, com apenas um banquinho de madeira, um outro assento preso ao concreto, para clientes, uma flanela, graxa e uma escova eram o suficiente para tirar o ganha pão. No ramo há mais de 47 anos, Isaías conta como foi quando começou a trabalhar como engraxate e também fala sobre os frutos conquistados através da profissão.

No ponto do polimento, cada coisa tem seu preço. Seus clientes mais antigos são deputados, desembargadores, promotores, vereador e advogado. Alguns, segundo ele, conheceu ainda novo, logo quando chegou para trabalhar na Guararapes.

 

O trabalho é sempre de segunda a sábado, das 7h às 17h. O engraxate não é sapateiro, mas de vez em quando ainda arrisca nos consertos dos calçados, principalmente no que diz respeito à pintura. Para ilustrar e deixar o serviço com um bom acabamento, sua ajuda vem da graxa e das escovas. Por receber clientes com diversos modelos e cores de sapato, cada uma delas possui uma utilidade especial. Na pilastra onde atende, o polimento pode ser nos calçados de cores preta, marrom, branca, vermelha, amarela e azul.

O trabalho não cansa, e o tempo todo Isaías tenta caprichar o máximo que pode no sapato. A latinha da graxa gira em suas mãos enquanto vai passando com os próprios dedos a cera. Para o engraxate, o mais exaustivo é esperar pelo cliente e a hora para largar, já que ele não pode sair do lugar para não perder a freguesia.

Chega outro cliente e seu Isaías já se alegra. Não fazem nem 40 minutos do primeiro e já entrou no caixa mais de R$ 20. O que para ele é um valor bom para começo de dia. Normalmente, os preços do serviço variam de R$ 5 a R$ 20, dependendo do tipo e cor do calçado. Juntando tudo, por mês, seu Isaías ganha cerca de um salário mínimo.

 

Com todo dinheiro arrecadado ele paga as contas da casa e aproveita para comprar novos materiais. Casado duas vezes, a primeira mulher é a mãe dos seus filhos, com quem ficou 21 anos. Logo depois conheceu a atual, com quem vive até hoje, há mais de 17 anos.

Sua maior tristeza é ver a cada dia seus amigos de trabalho indo embora, não por desistir da profissão de engraxate, mas por encerrarem a vida. "Morreram mais de 15 aqui. Conhecia todos e é uma pena ver que um dia vai ser eu também. As caixinhas da gente que sofrem, porque quem morre não leva e quem fica vivo não volta para ganhar. Aí vem a prefeitura e arranca da coluna. O vazio já está aumentando”, lamenta seu Isaías.

Quando perguntado sobre se ele aconselharia alguém hoje a seguir essa profissão, seu Isaías responde:

Os únicos momentos em que ele sai são para ir ao banheiro e beber água, mas sempre deixa os colegas que trabalham também na calçada olhando suas coisas. A caixa de trabalho ainda guarda o almoço e frutas para o lanche da tarde. Como não há lugar para esquentar, o alimento já vem de casa em uma vasilha térmica.

No ponto do engraxate, cada coisa tem seu preço. Seus clientes mais antigos são deputados, desembargadores, promotores, vereador e advogado. Alguns, segundo ele, conheceu ainda novo logo quando chegou para trabalhar na Guararapes.

 

O atendimento é sempre de segunda à sábado, das 7h às 17h. O engraxate não é sapateiro, mas de vez em quando ainda arrisca nos consertos dos calçados, principalmente no que diz respeito à pintura. Para ilustrar e deixar o serviço com um bom acabamento, sua ajuda vem da graxa e das escovas. Por receber clientes com diversos modelos e cores de sapato, cada uma delas possui uma utilidade especial. Na pilastra onde atende, o polimento pode ser nos calçados de cores preta, marrom, branca, vermelha, amarela e azul.

O trabalho não cansa, o tempo todo ele tenta caprichar o máximo que pode no sapato. A latinha da graxa gira em duas mãos enquanto vai passando com os próprios dedos a cera. Para o engraxate, o mais exaustivo é esperar pelo cliente e a hora para largar. Já que ele não pode sair do lugar para não perder a freguesia.

Vindo de uma vida difícil no interior, a luta de um profissional que todos os dias dribla os desafios da carreira para se manter no mercado de trabalho

— De primeiro cada pilastra dessa era um. O povo fazia ganância para engraxar. Fazia fila, rapai! E quando a gente saísse para almoçar e pra ir pra casa ficava outro. Quando chegava tinha dinheiro. Todo mundo que engraxa sapato, todo mundo ganhava dinheiro. Tudo que botava pra vender, vendia. Hoje em dia? Tá morto, meu velho. Ta morto! Vai terminar um dia não ter mais nenhum sapateiro aqui.

— Você não pode tá saindo, não pode tá brincando. Eu posso sair e andar, mas se o freguês chegar ele não me espera. Vai pra outro e eu já perdi, né. Se eu for sempre assim, não faço nada. Tem que ficar aqui de prantão. Fico em pé, vou ali me sentar, tomo uma aguinha, coisa e tal, volto. Almoço ali mesmo... E assim vou levando a vida.

Com os olhos fixados no cliente, ele termina mais um serviço e recebe seu pagamento. Sorrindo, pega o dinheiro e guarda no compartimento embaixo do assento do cliente. Cruzando os braços para movimentar o tronco e se alongar, ele conclui a nossa conversa dizendo "eu sou feliz sendo engraxate. A graxa me sustentou todo esse tempo. Consegui viver até agora com dinheiro que ela me trouxe. Foi e é o suficiente para eu viver”.

Para engraxar o sapato com ele não é preciso agendar. Os endereços para contato são:

— Rapaz, se ele puder estudar e arrumar outra profissão, eu não aconselho essa não. Porque é muito útil, mas o dinheiro é pouco né. O dinheiro é pouco e quase ninguém dá valor, né.