Barbeiro: a vida de quem vive da tesoura e da navalha

Com quase 48 anos de profissão e experiência, pernambucano sente na pele o desafio de manter a clientela diante das novas tendências do mercado da beleza

Pendurada em um poste da Rua Copatana, no bairro de Casa Amarela, Zona Norte do Recife, o primeiro sinal da história de vida de José Francisco Paulo, 73 anos, pode ser visto a distância. Feita de pedaços de PVC, a placa indica o salão instalado por ali há mais de 10 anos. Com apenas um telefone para contato e um nome, o letreiro facilita a vida do homem nascido em Limoeiro, no interior de Pernambuco, que veio para a capital no ano de 1969 tentar a sorte grande.

 

Criado dentro de uma fazenda, aos 26 anos, seu Vavá, como é conhecido pelos amigos, largou a cidade pequena para vir arriscar a vida com toda a sua família no Morro da Conceição. Como não tinha nenhuma profissão, apenas sabia cuidar de gado e plantação, o filho de agricultores descobriu juntamente com o irmão mais velho a arte da barbearia - profissão famosa por tratar das barbas, bigodes e cabelos de homens.

 

O trabalho começou há 47 anos atrás, em um espaço mais à frente, na Rua na Harmonia. O irmão, que já era barbeiro, foi quem passou os ofícios da profissão para seu José. Desde que chegou para morar no bairro de Casa Amarela, os anos só fizeram consolidar a cartela de clientes, todos moradores da redondeza.

— Quando vim pra aqui eu tinha a ideia, assim, uma mínima ideia da profissão. Agora eu não era um profissional. Porque para ser profissional tem que aperfeiçoar muita coisa, né. Aprender a tirar a barba, cortar cabelo, fazer o corte do jeito que o freguês quer, da maneira como o freguês quer, da maneira como ele pede... E assim, a gente vai trabalhando. E isso, a não ir para um salão de arte, tem que aprender trabalhando. Não é tão difícil não, quando a gente tem interesse faz.

Assim como na vida do irmão, que serviu de referência para seu Vavá, a barbearia foi a saída do limoeirense para se livrar da agricultura e do sofrimento na roça. Enquanto não há nenhum cliente esperando pelos seus serviços, na mesma rua de barro sem saída, José aproveita a sombra de uma árvore em frente ao local de trabalho para ler sua bíblia. Charmoso, bem vestido e alinhado, ele se levanta para mostrar o pequeno quartinho onde atende sua freguesia. 

Ao entrar no pequeno espaço, duas cadeiras aconchegantes no canto esquerdo ocupam metade da sala. Seu Vavá se senta na poltrona de barbeiro virada para o espelho na sua frente e começa a conversar sobre a sua formação profissional. Com a vida difícil no interior, para tristeza de José Francisco Paulo os estudos foram apenas até o primário, hoje chamado de  Ensino Fundamental I. Já o sonho era de se tornar um profissional igual ao irmãos mais velho foi muito longe.

 

"No interior a vida era muito difícil. A gente estudava à noite na escola do governo e naquele tempo, só quem fazia o segundo grau era uma pessoa bem instruída, tinha que ter dinheiro. Além disso, não tinha nem que ensinasse a gente. Só tinha realmente até o primário", relembra o barbeiro.

 

Aprendizado prático

 

As horas dedicadas nesses 47 anos de profissão já não parecem trazer alento. Difícil no começo e ainda hoje, a barbearia exige prática e perfeição. Cada erro na navalha atrapalha o acabamento do corte.  Ele conta, que quando começou, foram muitas falhas até pegar a prática.

— Era trabalhoso porque tinha que botar o freguês na cadeira e fazer o serviço como ele mandava. Que eu não sabia fazer. Eu tinha ideia de trabalhar com a ferramenta, mas não sabia fazer corte. E aí, fui aprendendo com o tempo. Trabalhando, aperfeiçoando...aperfeiçoando. Um ano, dois , três, quatro, cinco, dez, vinte, trinta, quarenta. Eu aprendi trabalhando. Sentava o freguês na cadeira e cortava (risos). Às vezes não ficava muito bom, mas também não ficava muito ruim não, que eu já tinha ideia de como fazer. No início não é muito aperfeiçoado porque tudo que a gente começa a fazer tem algumas falhas, mas essas falhas dá para corrigir.

A navalha afiada em sua mão conduz a história de vida escrita em meio à tesoura e à lâmina de barbear. Francisco conseguiu criar três filhos com o dinheiro conquistado no trabalho. Para ele, “são anos de lutas, mas também de vitórias”. Anos esses em que construiu ao lado da primeira esposa, que faleceu depois de 25 anos de casamento.

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Por ser a paixão da sua vida, Vavá até tentou trazer para os filhos a profissão de barbeiro, mas nenhum dos filhos homens quiseram. Cresceram e caminharam por profissões diferentes. Hoje, o pernambucano se mantém apenas com o dinheiro que tira na barbearia e com a aposentadoria. As despesas são divididas com a segunda esposa, com quem já convive há 17 anos.

 

“Hoje não se faz mais barbeiro como antigamente, de sentar na cadeira e aprender a profissão. Eu aprendi na raça. Os bons profissionais aprendiam todos os segredos com os donos do salão ou com seus pais, e depois é que estavam aptos a abrir seus salões. Mas hoje não, né. Hoje basta fazer um curso rápido e abrir um salão de beleza.

 

Com tanto tempo de profissão, as lições foram suficientes para se tornar um excelente trabalhador. Mesmo com a idade avançada e já aposentado, seu José exerce a atividade, uma das mais tradicionais do mundo, com muito carinho. Para ele, a rotina é um prazer. Morando atualmente em outra cidade, Camaragibe, ele se levanta todos os dias às 4h da manhã para vir a Casa Amarela. Trabalho difícil? Ele responde que não.

“O trabalho é bem feito, viu. Faço questão de sair da minha casa todo mês para vir aqui ter um tempo com meu amigo. Quase nem tenho cabelo mais, mas só pelo prazer de conversar e receber a qualidade do serviço, já me sinto feliz”, comenta Jorge que sempre trouxe seus filhos para a barbearia do seu Vavá e hoje traz o neto de 17 anos.

 

A cadeira do local de trabalho é a mesma desde que começou. O profissional mostra com orgulho uma velha ferramenta de trabalho, a navalha. Sorrindo, ele separa seus materiais para começar mais um serviço. A alegria de quem sabe que vai entrar um dinheirinho já o deixa animado.

 

É notável ver a força de vontade e o apreço por cada detalhe que ele mesmo se encarrega de deixar perfeito. A técnica causa confiança, o amor a qualidade e o prazer e sustento de uma vida. O atendimento nem demora muito e, a conversa é tão boa que tanto cliente como barbeiro saem satisfeito com o serviço.

 

"Fazer barba não é coisa fácil não. Tem que ter cuidado para não cortar o freguês e toma tempo. O tempo de fazer algumas barbas é o tempo de cortar vários cabelos. Tem barba que eu preciso desenhar, passar a máquina, acertar bigode, tudo” , descreve o limoeirense nascido em 3 de março de 1944.

 

Após uma longa e curiosa trajetória história, tudo que conquistou foi graças à profissão. Foi dela que comprou o terreno de sua casa e a construiu, ajudou os filhos e se sustentou. Em março de 2018, seu Vavá completa 48 anos como barbeiro. Veja o que ele diz sobre a importância da barbearia na sua vida:

História da profissão

 

No Brasil Colônia, a profissão de barbeiro foi associada à manutenção da saúde física das pessoas. Entre outras especialidades, o barbeiro era perito na extração de dentes e na prática da sangria como recurso para tratamento de vários males.

 

Somente no século 19, os ofícios de médico e de cirurgião dentista foram desligados da profissão de barbeiro. Antes um ambiente exclusivamente masculino, no século 20, os salões dessa área passaram a tolerar a presença feminina como cliente e como profissional, e tornaram-se unissex. Com essa evolução, hoje tomaram o rumo dos salões de beleza. Sobrevivem bravamente as velhas barbearias como a de seu Vavá, animada pelos indispensáveis fregueses fiéis.

 

Por mês, o valor arrecadado chega a um salário mínimo. No local de trabalho, o atendimento é sempre de domingo à sexta, das 8h às 17h. A barbearia não funciona dia de sábado porque seu José é da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que não permite que seus fiéis trabalhem do pôr do sol da sexta-feira ao pôr do sol do sábado.

 

Para fazer a barba ou cortar o cabelo, o valor cobrado é de R$ 10, cada. Os contatos do seu Vavá são:

Sua única preocupação hoje é que, apesar da tradição, as antigas barbearias como a dele, vêm cedendo espaço para os modernos salões de beleza. A freguesia já não é mais a mesma de 30 anos atrás. Aos poucos, quem tinha o costume de ir às barbearias fazer a barba e cortar o cabelo de 15 em 15 dias, nem vai mais.

 

O barbeiro acredita que a profissão perdeu importância porque hoje muitas pessoas preferem fazer a barba em sua própria casa, já que muitas vezes não têm mais tempo para ir ao barbeiro. Mas, antes, “fazer a barba era quase um ritual”, segundo ele. Barba se fazia com navalhas, que exigem dos barbeiros muito treino e prática. Navalha essa que cedeu seu lugar para as lâminas de barbear comuns.

Depois de 47 anos atendendo homens e jovens, sobram os fregueses mais fiéis que não abrem mão de uma boa prosa e da qualidade e comodidade dos serviços, como Jorge Francisco da Silva, de 80 anos. Amigos desde a juventude, o médico já acompanha o barbeiro há mais de 55 anos.

— Antigamente os barbeiros trabalhava...Começando a trabalhar com a tesoura e o pente. Depois compraram uma máquina manual. Trabalhavam com a mão, assim. Depois foi que surgiu a máquina elétrica. Energia em todo canto, né... comprou máquina elétrica. Mas antigamente se trabalhava mais com tesoura e máquina manual.